Imagens raras do belíssimo leopardo das neves são feitas com câmeras escondidas na Rússia

Por , em 9.04.2017

O leopardo das neves sente o cheiro do rebanho de cabras no vento forte que sopra nas montanhas Altai, no sul da Sibéria, na fronteira da Rússia com a Mongólia, China e Cazaquistão. Com sua pelagem cinza e manchas negras, o grande felino é quase invisível contra a rocha desta paisagem árida. Ele se move confiantemente através da neve profunda em largos e isolados passos, movendo-se perto do congelado rio Chaganburgazy.

Logo acima do gelo azul claro do rio, o gato para. Este é um local importante. Nos meses quentes, uma nascente corre aqui, alimentando as águas trançadas do rio e atraindo a caça. Mas suas presas tinham avançado e agora estavam lentamente passando por uma trilha claramente esculpida em um pico do outro lado do vale varrido pelo vento.

Pesquisa tira fotos incríveis de leopardos da neve

O leopardo das neves salta abaixo da inclinação e fica sobre a uma rocha vermelha oxidada que está perto do rio congelado. Ele circula, fareja outros leopardos da neve, e faz com a garra quatro linhas brancas paralelas. Em seguida, volta-se para o rebanho de cabras.

A descrição acima é feita por John Wendle, do site National Geographic, que acompanhou uma equipe de pesquisadores que faz o primeiro senso de leopardos das neves na Rússia em uma viagem para a colocação de câmeras escondidas no território do animal. A pesquisa é importante para estimar com precisão o número de leopardos na região, definindo assim a real situação da população deste belo felino, que está ameaçado de extinção.

As estimativas do número de leopardos das neves na região variam bastante. Segundo especialistas, a interpretação errada e a imprecisão destes números podem afetar a sobrevivência da espécie, uma vez que a quantidade de dinheiro destinada pelos governos dos países locais para os programas de proteção do animal podem diminuir se eles forem erradamente considerados livres do perigo.

Ameaçados

Alexander Karnaukhov, biólogo e especialista em leopardo das neves do Fundo Mundial para a Natureza da Rússia, diz, arrastando os dedos sobre a rocha no Parque Nacional Sailyugem, que essas marcas que o leopardo deixa na pedra são sinais territoriais. “É assim que ele deixa claro para outros leopardos da neve que ele mora aqui”, diz Karnaukhov.

Karnaukhov levanta os olhos da rocha e examina a paisagem com um olho treinado, vendo-o do ponto de vista do gato ameaçado, descrevendo os movimentos do animal em suas trilhas. “Neste ponto, vamos colocar uma câmera escondida”, diz ele, “e ter uma ideia melhor de quem mora aqui”.

Denis Malikov, biólogo e diretor assistente do parque nacional, retirou uma unidade de GPS e fez outra entrada de dados para o primeiro censo de leopardos da neve da Rússia. Logo acima da rocha, Karnaukhov encontrou fezes de leopardo. Tirando um pequeno saco, pegou a amostra e guardou-a. Ele enviará esta e outras amostras para Moscou para análise de DNA.

Usando esta combinação de material genético e câmeras, que os biólogos usam para identificar laboriosamente cada felino através de seus padrões de manchas únicos, os biólogos russos esperam obter uma compreensão mais completa do grupo mais setentrional do predador em extinção. Suas descobertas ajudarão a esclarecer os números globais – parte integrante de um acalorado debate entre cientistas que determinarão se os gatos permanecem na lista de risco da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) ou se eles terão seu status alterado para apenas “ameaçados”.

Voltando a descer a encosta, os dois cientistas debatem onde colocarão a câmera, uma caixa de plástico camuflada e à prova de intempéries, com câmera, sensor de movimento, cartão de memória, isolamento e baterias AA suficientes para alguns meses. Se colocadas muito alto na colina, eles temem que nuvens e sombras desencadeariam imagens, enchendo o cartão de memória com paisagens bonitas, mas inúteis. Se colocadas muito baixo, eles se preocupam com os arbustos prejudicando as imagens dos felinos.

Contando leopardos russos

Atualmente, acredita-se que existem entre 70 e 90 leopardos das neves, ou Panthera uncia, na Rússia, constituindo apenas um a dois por cento da população mundial. Na pesquisa de alcance parcial realizada em 2016, os pesquisadores confirmaram 41 leopardos de neve e oito ninhos, totalizando 19 jovens, diz Karnaukhov. Este ano eles esperam descobrir quantos sobreviveram. Mais importante ainda, eles estão pesquisando toda a área – incluindo a República de Altai, Buryatia e Tyva (comumente chamada de Tuva) – algumas das terras mais remotas da Rússia, todas na fronteira com a Mongólia.

Felizmente para cientistas como Karnaukhov e Malikov, os gatos são “muito conservadores”, frequentemente usando os mesmos “pontos de referência lineares” – trilhas de caça, leitos de rios e ladeiras através das montanhas. Além disso, muitos gatos usam a mesma pedra de marcação – como a que tem as marcas de garra.

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“É como o Facebook da natureza”, diz Karnaukhov. Enquanto os gatos raspam, esfregam e pulverizam urina em penhascos e na rocha, se comunicam um com o outro. Isso torna mais fácil para os cientistas coletar fotografias e vídeos dos animais, permitindo-lhes identificar e contar os leopardos das neves.

E o Parque Nacional Sailyugem é um bom lugar para ir à procura do predador. “É como a África russa”, diz Mikhail Paltsyn, um biólogo russo e um dos fundadores do parque, atualmente trabalhando em seu doutorado no Universidade SUNY de Ciência Ambiental e Florestal em Siracusa. “É fácil ver 300 cabras apenas de um ponto”, diz ele. “É um dia muito ruim se você não viu uma centena de cabras”.

Na verdade, dirigindo pelos vales secos, congelados e varridos pelo vento do parque em jipes soviéticos, passando pelas pequenas cabanas de madeira dos pastores empobrecidos que vivem lá ao longo do ano, é comum ver grandes rebanhos de cabras silvestres (Capra sibirica), alimentando-se das gramíneas altas nas colinas e montanhas. Esta cabra montesa é a cabra selvagem mais comprida e pesada, com grandes chifres de arco ascendente. Também é comum o argali (Ovis ammon ammon), o primo gigante do carneiro americano selvagem. É a maior de todas as ovelhas, pesando quase 150 kg, com alguns conjuntos de chifres pesando mais de 30 kg.

A cabra, ou íbex, é a presa favorita do leopardo das neves, com uma população de cerca de 4.000 a 5.000 no parque. Paltsyn diz que uma base de presas deste tamanho poderia naturalmente suportar uma população de cerca de 30 a 40 leopardos da neve. Mas de 2004 a 2012, havia apenas entre dois a cinco leopardos na bacia do rio Argut, que inclui o parque nacional, e não era encontrado um único gato no Sailyugem.

Hoje não há menos de 15 leopardos da neve na bacia hidrográfica, “por isso parece que a população está lentamente se restaurando”, diz Paltsyn. “Estou muito otimista sobre o futuro”, diz ele, “porque agora temos um nível muito bom de proteção”.

Felinos enigmáticos

“Eles são mais do que raros, eles são enigmáticos”, diz Peter Zahler, diretor regional da Ásia da Sociedade de Conservação da Vida Selvagem.

Ainda hoje, pouco se sabe sobre os leopardos das neves, porque eles ocorrem em densidades tão baixas e vivem em “alguns dos terrenos mais difíceis imagináveis”, diz ele. Não é à toa que o leopardo das neves é ​​conhecido como o fantasma das montanhas. As casas costumeiras do animal parecem uma lista de terras de faz de contas além da borda do mundo conhecido. Vivendo até perto de 6.000 metros de altitude, eles são restritos às altas montanhas do Altai, Shan Tian, ​​Kun Lun, Pamir, Hindu Kush, Karakorum e Himalaia.

Mas mesmo Paltsyn sendo otimista, o leopardo das neves ainda enfrenta uma batalha árdua pela sobrevivência. Na Rússia, a principal ameaça é a caça furtiva de cervos almiscarados, cujas glândulas são usadas para medicina tradicional na China e na Coréia. Um quilo de almíscar granulado pode custar cerca de 45.000 dólares no mercado internacional, e é preciso cerca de 40 cervos para fazer um quilo. Os caçadores usam armadilhas de arame postas no mato para pegar e estrangular o veado. Os leopardos da neve morrem como “caça acidental” – assim como os golfinhos morrem quando o atum é pego pelas redes dos pescadores – à medida que seguem trilhas de caça nas elevações mais baixas.

A interseção dos habitats dos cervos almiscarados e dos leopardos das neves “leva a uma erosão dramática da população do leopardo das neves e, em alguns lugares, ao seu quase total extermínio”, diz Karnaukhov. De fato, nos últimos dois anos, a população de leopardos das neves em uma reserva natural a pouco mais de 300 km a nordeste do parque caiu de oito ou nove para apenas um, depois que o novo diretor da reserva despediu todos os guardas contratados para remover armadilhas.

Cuidado com os gatos domésticos

“Se você desistir, a área será coberta de armadilhas novamente”, diz Paltsyn, “e armadilhas muito facilmente matam leopardos das neves”.

Além das armadilhas, leopardos das neves na Rússia enfrentam os mesmos problemas que enfrentam em todos os lugares. A caça de argali e íbex, feita por empresários e políticos da região, mesmo em pequena escala, quando combinada com desafios globais como a perda de habitat, as mudanças climáticas, a queda do número de presas devido ao sobrepastoreio do gado e as matanças de retaliação por fazendeiros que protegem esses rebanhos, faz com que os leopardos enfrentam sérios desafios em seus 11 países. O leopardo das neves foi colocado na lista de espécies ameaçadas pela IUCN em 1972.

Status do animal

Atualmente, a UICN está no meio de um processo de anos para reavaliar o status do leopardo das neves, mesmo que nenhuma dessas ameaças tenha sido eliminada. Na verdade, elas não só não desapareceram: as mudanças climáticas poderiam eliminar até 30% do território do leopardo no Himalaia nas próximas décadas, colocando esse predador na mesma categoria do urso polar em termos de espécies que vão perder drasticamente habitat devido a um mundo em aquecimento.

A equipe de avaliação da UICN está recomendando diminuir o status de risco do leopardo das neves. Outros pensam que ameaças contínuas e novas, combinadas com a falta de dados precisos sobre o número de leopardos das neves, significa que o animal deve manter sua classificação atual. Aqueles que apoiam a não reclassificação do felino recomendam esperar até que a nova tecnologia, como as câmeras escondidas, seja capaz de fornecer uma resposta mais clara sobre o tamanho da população.

Para muitos, este é o cerne da questão. A gama predominante de estimativas globais varia entre cerca de 3.900 e 7.500 animais. Mas um livro publicado em junho do ano passado – o primeiro volume científico abrangente sobre o animal, com cerca de 200 cientistas contribuindo – causou uma tempestade quando contribuintes de um capítulo afirmaram que pode haver entre 4.678 e 8.745 gatos em apenas 44% de sua escala global. A implicação é que poderia haver até duas vezes mais na gama total.

Zahler, da Sociedade de Conservação da Vida Selvagem, contribuiu para o capítulo com os novos números. Ele diz que os pesquisadores de leopardos das neves têm uma boa compreensão da faixa, mas não de quantos vivem nesse território. “Dentro dessa área temos um bom senso de onde sabemos muito, onde sabemos um pouco e onde não sabemos quase nada”, diz ele.

Atualmente, as estimativas altas e baixas diferem por um fator de quase dois. “Então, elas não são precisas, independentemente de qual você ache que seja melhor”, diz ele. “Ainda estamos, em grande parte, na infância de entendê-los”.

O número de espécies ameaçadas de extinção aumenta

Mas ele sente que a ampla aplicação de câmeras, colares satélite, software de reconhecimento de padrões e outras tecnologias logo começarão a preencher as lacunas. “É muito difícil extrapolar a partir de sinais se você está olhando para um leopardo das neves ou cinco”, diz ele.

Se o status mudar, as apostas para o futuro do animal poderiam ser significativas. Gustaf Samelius, pesquisador da Universidade Sueca de Ciências Agrícolas e diretor assistente de ciência do Snow Leopard Trust, diz que a exclusão da lista poderia significar que “os governos não vão colocar nenhum dinheiro na conservação dos leopardos das neves”.

Ele acha que aqueles que fizeram o capítulo com os números mais altos foram “um pouco acríticos” no uso de palpites. Colegas no Paquistão disseram-lhe que o governo de seu país está tirando dinheiro de programas de conservação do leopardo das neves, já que os números parecem estar em ascensão.

E por causa das recentes melhorias na tecnologia, Samelius acredita, “não é que os números tenham aumentado, é apenas que nossas ferramentas estão ficando melhores em detectá-los”. Zahler concorda. “Eu quero ser muito claro: nós realmente não sabemos quantos leopardos das neves existem ou qual é a verdadeira tendência”, diz ele. “Os leopardos das neves provavelmente estão diminuindo. Eles apenas parecem estar diminuindo menos rapidamente do que muitos dos outros grandes felinos”.

Esperança para o futuro

Mesmo que os especialistas não concordem com o número de leopardos, todos concordam que os animais ainda enfrentam ameaças significativas. “O assustador é que as ameaças estão aumentando”, diz Samelius. Zahler concorda: “A última coisa que eu quero é que as pessoas pensem que há milhares de leopardos de neve mais do que pensávamos, então não precisamos fazer nada”.

O jipe ​​soviético deslizou sobre o gelo liso do rio e então continuou abruptamente em sua viagem sobre pedras grandes do rio, acima do vale. Em uma trilha recém-construída, meio coberta de neve, os jipes pararam. Os cientistas e um casal de escoteiros saiu. Um guarda tinha encontrado um ponto provável para uma câmera, com uma rocha ao lado de uma trilha de caça.

Por dois anos, quando começaram a colocar armadilhas de câmera na área em 2010, Karnaukhov diz que não viu leopardos das neves. Então eles começaram a aparecer. Isto foi possivelmente devido a um aumento na população, mas também porque a equipe se tornou mais experiente em colocar as câmeras nos lugares certos.

A rocha escolhida não funcionaria. A armadilha iria enfrentar o nascer e o pôr-do-sol, o que pode acionar a câmera. Eles escolheram outra pedra. Colocando a câmera em uma pedra grande, eles apoiaram pequenas pedras em torno dela. Depois, inclinaram-na para a frente, de modo que apontasse para a trilha.

Além da equipe ficar melhor na colocação das câmeras, a população, de fato, cresceu. “A situação está melhorando”, diz Karnaukhov. “E isso nos dá esperança de que a população como um todo em toda a Rússia vai se recuperar”. [National Geographic]

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