Atos não tão aleatórios: a ciência descobre que ser gentil compensa

Por , em 3.07.2020

Você pensa que o mundo é um lugar dominado por pessoas maldosas?

Bom, deve ser porque você presta mais atenção nas coisas ruins que acontecem com você, deixando de notar os gestos gentis mais abundantes ao seu redor. (E essa falha não é só sua, é meio que uma coisa coletiva).

Diversas pesquisas científicas têm demonstrado que atos de bondade são importantes e regulares para seres humanos.

Inclusive, ser uma pessoa boa nos deixa mais saudáveis tanto emocional quanto fisicamente.

E nada disso é aleatório: a bondade é um fator chave para entendermos nossa evolução e sobrevivência como espécie.

Os estudos

Segundo o antropólogo Oliver Curry, da Universidade de Oxford (Reino Unido), a bondade é muito mais antiga que a religião. “A principal razão pela qual as pessoas são gentis é por que somos animais sociais”, disse.

O psicólogo Michael McCullough, da Universidade da Califórnia em San Diego (EUA), que deve lançar um livro sobre esse tema em breve, afirma que “a bondade é tão inerente a nós quanto a raiva, a luxuria, o luto ou o desejo de vingança”. A grande diferença é que não costumamos prestar atenção à gentileza.

Apesar disso, quando somos levados a refletir sobre essa questão, apreciamos a bondade acima de qualquer outro valor.

Em um estudo no qual os pesquisadores pediram a diversas pessoas para definir, entre uma série de valores, quais eram mais importantes, a benevolência ou gentileza ficou em primeiro lugar, superando hedonismo (um modo de vida que valoriza o prazer acima de tudo), ter uma vida emocionante, criatividade, ambição, tradição, segurança, obediência, buscar justiça social e buscar poder, explicou a psicóloga Anat Bardi, da Universidade de Londres (Reino Unido).

E foi assim em todos os países questionados (uma dúzia deles). A bondade ficou sempre no topo da lista. Curiosamente, a benevolência atingiu níveis recordes na Escandinávia, uma região que também tende a estar no topo dos rankings anuais de felicidade.

Por que o mundo parece um lugar tão sombrio, então?

“Muitos me dizem que as pessoas não são gentis. E eu acho que isso é uma falácia de percepção, porque quando você mede o comportamento das pessoas, na verdade você descobre que elas são gentis. As pessoas realizam atos de bondade regularmente”, disse Bardi.

O que acontece é que, provavelmente, nos lembramos mais dos gestos indelicados ou rudes do que dos gentis, mais comuns e esperados.

“No fundo, somos motivados a ser gentis. Somos gentis porque, sob as circunstâncias certas, todos nós nos beneficiamos disso”, esclareceu Curry.

A evolução está do lado da bondade

Muitas pessoas pensam que o mundo é um lugar cruel e competitivo por que “só sobrevivem os mais aptos”, mas não é bem assim. A sobrevivência depende de estratégias que nem sempre significam competição, mas sim colaboração. É o que explica o antropólogo evolucionário Brian Hare, da Universidade de Duke (EUA), autor do livro “Survival of the Friendliest” (em tradução livre, “Sobrevivência do mais Amigável”).

Gentileza e cooperação funcionam para muitas espécies, de bactérias a flores a primatas. Quanto maior sua rede de contatos, mais bem sucedido você é. Por exemplo, chipanzés são agressivos e costumam atacam forasteiros, enquanto bonobos e alguns outros primatas não matam e sim ajudam estranhos. Bonobos machos têm uma taxa de sucesso em acasalar muito maior do que chipanzés machos.

Claro, este tipo de comportamento não é a norma no reino animal. A maioria não é gentil e não ajuda estranhos, apenas parentes próximos ou indivíduos do mesmo grupo.

De acordo com McCullough, é isso que nos separa do resto das espécies: a habilidade de raciocinar sobre a situação. Seres humanos sabem que não há muita diferença entre parentes próximos e estranhos – esses mesmos estranhos podem nos ajudar um dia se formos gentis com eles agora.

É por esse motivo que doamos sangue, que grandes empresas gastam boas porcentagens de seus lucros em programas sociais etc. Por que doar um rim a um estranho? Muitas vezes, a resposta é empatia: você gostaria que um estranho fizesse o mesmo por você.

Não é automático; é por recompensa

Dito isto, nossas mentes não são programadas automaticamente para sermos gentis. Pessoas ainda podem ser rudes e maldosas, se quiserem. Só que perderão com isso. Quem já foi bondoso sabe que há recompensas para esse comportamento.

“Fazer bondade nos deixa mais felizes e ser feliz faz com que façamos atos gentis”, disse o economista trabalhista Richard Layard, que estuda felicidade na London School of Economics (Reino Unido).

Esse conceito foi testado em uma pesquisa conduzida pela psicóloga Sonja Lyubomirsky, da Universidade da Califórnia em Riverside (EUA). Ao longo de 20 anos, ela realizou vários experimentos, concluindo sempre que as pessoas se sentem melhor quando são bondosas com os outros, mais do que quando são gentis com elas mesmas.

Em um dos experimentos, por exemplo, indivíduos tiveram que fazer três atos de bondade a estranhos por semana, enquanto outros apenas tinham que ser bondosos consigo mesmos. Não precisava ser nada grande; segurar uma porta já contava. As pessoas que foram gentis com os outros se sentiram mais felizes e conectadas com o mundo.

O mesmo ocorre com gastar dinheiro consigo mesmo versus usar com os outros (seja comprando presentes ou doando para a caridade, por exemplo).

Melhoria física e emocional

Curry revisou 27 estudos sobre bondade e descobriu que, em todos, as pessoas se sentiram emocionalmente melhores ao ser gentis.

Mas isso não é tudo – a bondade também teve efeitos físicos. Em uma pesquisa, indivíduos com esclerose múltipla disseram se sentir melhor fisicamente quando ajudaram outros.

Segundo Lyubomirsky, fazer mais atos de bondade parece “desligar” com mais frequência genes que causam inflamação. Novos estudos também estão encontrando correlações de mais genes antivirais em pessoas mais gentis.

Incrível, não é mesmo? Tendo tudo isso em mente, experimente ser gentil com alguém hoje. Você não tem nada a perder; pelo contrário, tem muito a ganhar. [MedicalXpress]

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