Milhões de buracos misteriosos no fundo do Mar do Norte não são o que os cientistas pensavam que eram

Por , em 27.02.2024
Foi inicialmente pensado que as depressões no leito marinho descobertas no fundo do Mar do Norte haviam sido criadas por vazamento de metano. (Crédito da imagem: Jens Schneider von Deimling)

Nas águas turvas do Mar do Norte, o fundo oceânico é pontilhado por cavidades rasas. Essas depressões, de formato circular ou elíptico, variam em tamanho, chegando a até 60 metros de largura, mas com uma profundidade de apenas 11 centímetros. Algumas dessas cavidades parecem ter se fundido, formando estruturas alongadas que lembram diagramas de Venn.

Essas formações sempre foram associadas à liberação de metano ou de águas subterrâneas do sedimento. No entanto, pesquisas recentes, divulgadas na revista Communications Earth & Environment, apontam que essas inúmeras cavidades no Mar do Norte e em outras regiões podem, na verdade, ser resultado da atividade alimentar dos porpoises (uma espécie de golfinho). Este estudo revela o impacto significativo que grandes animais marinhos podem ter na paisagem oceânica.

O geocientista Jens Schneider von Deimling, da Universidade de Kiel, inicialmente duvidava que essas cavidades fossem resultado da fuga de metano. Ele observou que o leito marinho do Mar do Norte, composto de areia porosa e sujeito a fortes correntes, não favorece a acumulação de metano no sedimento.

Schneider von Deimling comentou: “Eu realmente não via mecanismos que acumulassem metano.” Durante uma expedição marítima, a equipe utilizou um ecobatímetro de fundo, uma tecnologia sonar que mapeia as camadas de sedimento sob o leito marinho, mas não encontrou evidências de metano. “Analisamos milhares de milhas de dados em busca de gás raso e simplesmente não encontramos nada”, explicou.

Para examinar melhor as cavidades, a equipe utilizou um ecobatímetro multifeixe de alta resolução. Esta tecnologia avançada supera versões anteriores na captura de detalhes minuciosos, permitindo uma inspeção mais próxima das formas das cavidades até a escala centimétrica. Jess Hillman, geocientista marinha da GNS Science na Nova Zelândia, que não participou do estudo, comentou sobre a alta qualidade dos dados obtidos, ressaltando sua utilidade para análises detalhadas dessas estruturas.

O ecobatímetro multifeixe revelou que as cavidades não eram cônicas, como seria de esperar em erupções de metano através do sedimento. Schneider von Deimling observou: “O que as torna excepcionais é que a profundidade não muda conforme a sua proporção.” As cavidades mantêm uma profundidade consistente de cerca de 11 centímetros, independentemente da largura.

Buscando uma explicação para essas formações, Schneider von Deimling consultou um biólogo e mergulhador que o informou sobre os porpoises (Phocoena phocoena) vasculhando o fundo do oceano em busca de enguias de areia, conhecidas por se esconderem na areia. Isso levou a uma colaboração com biólogos especializados em porpoises.

A equipe combinou modelos existentes de habitats de enguias e porpoises com dados oceanográficos sobre correntes, observando que ambas as espécies prosperam em áreas com correntes fortes. Descobriram que esses habitats coincidiam com a área de estudo. Investigações adicionais com o ecobatímetro mostraram mais cavidades em regiões onde se previa a presença de porpoises e enguias de areia. Segundo os pesquisadores, as maiores cavidades foram provavelmente formadas por porpoises e posteriormente expandidas pelas correntes oceânicas.

Schneider von Deimling aspira a documentar fotograficamente um porpoise criando uma cavidade, embora reconheça os desafios devido às águas turvas do Mar do Norte e à natureza tímida dos porpoises. Enquanto isso, a equipe está colaborando com cientistas na Irlanda para verificar se suas descobertas sobre a localização das cavidades com base nos habitats dos porpoises são aplicáveis além do Mar do Norte.

Hillman destacou a importância de pesquisas interdisciplinares tanto para geocientistas quanto para biólogos. Compreender a origem das cavidades no leito marinho é crucial para avaliar riscos submarinos. Cavidades resultantes de vazamentos de metano podem indicar perigos tectônicos, pois falhas geológicas frequentemente liberam fluidos e gases. Distinguir entre cavidades formadas por atividades biológicas e aquelas devido a processos tectônicos pode aliviar preocupações sobre atividade geológica.

O estudo sugere que criaturas marinhas de grande porte podem ter um papel mais significativo na modelagem do leito marinho e na perturbação dos sedimentos do que se supunha anteriormente. Schneider von Deimling ressaltou que, devido às pesquisas batimétricas serem realizadas de forma infrequente e muitas vezes com baixa resolução, essas mudanças sutis no leito marinho permaneceram despercebidas. Ele enfatizou: “Se você pensar em escalas de tempo geológicas, a função de [animais] perturbando os sedimentos pode ser bastante importante.” [Live Science]

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