Posso dar um palpite?

Por , em 9.12.2013

 

Posso dar um palpite?

Uma das características mais arraigada e típica do brasileiro, é a de dar palpites.

Um dos exemplos mais comuns, principalmente em tempos de Copa do Mundo, é o de que dispomos de milhões de técnicos de futebol com sua escalação pronta, milhões de comentaristas esportivos mundialmente famosos em seus bairros, comentando, criticando e evidentemente dando palpites, seja no bate-papo do escritório na hora do cafezinho, seja nas rodas de amigos do churrasco de fim de semana. Etc.

E o palpite escapa da área dos esportes e avança em toda e qualquer área do conhecimento.

Escolha o assunto: ciência, tecnologia, medicina, economia, educação ou das artes você pode conferir que encontrará um palpiteiro de plantão.

Existe até no ditado popular que “de médico, gênio e louco todo mundo tem um pouco”.

É evidente que todo o ser humano tem direito de expressar sua opinião; e esse é um dos princípios mais valiosos da democracia – a liberdade de expressão.

E dar opinião — seja uma avaliação crítica, seja uma sugestão de conduta, para citar apenas dois exemplos — que a título de conselho auxilia na resolução de problemas — constitui a meu ver, uma das principais conquistas da cidadania.

No entanto, tenho observado que muitos palpiteiros se contentam em apenas repetir as opiniões que apreendem do ambiente social — via senso comum — sem ao menos avaliar a veracidade dos fatos ou a validade dos argumentos.

Simplesmente isso: capta a ideia e a repete. Sem usar nenhum rigor crítico — ou mesmo — a mais elementar reflexão.

Nas palavras do pensador González Pecotche: “Pura clonagem mental”.

E o que é pior — considera aquela ideia como sua — simplesmente por que a repetiu.

É dessa forma que conseguimos perceber grassando ideias do tipo:

— É claro que eu vou votar em fulano, ele está ganhando nas pesquisas. Não vou perder o meu voto!

Ou

– Vote em ciclano. Ele rouba, mas faz.

E assim por diante.

Essa “clonagem de ideias” fabrica coleções de pessoas que atuam como massa e não como indivíduo.

E como vimos em nossos artigos anteriores — o ser humano que não quer exercer seu poder de crítica e de reflexão pode ser manipulado facilmente, seja pelos meios de comunicação, seja pelas ideologias que os patrocinam.

E esse poder de crítica e reflexão só é conquistado com o conhecimento.

E conhecimento — vale aqui salientar — não é simplesmente informação.

Na esteira desse tema, quero recordar o humor ferino de Bernard Shaw em sua citação:

“Não posso lhe dar minha opinião sobre este assunto; ainda não li os jornais!”

E no mesmo tom de Chomsky indagar:

– Será que minha opinião deverá ser sempre condicionada ao que querem que eu acredite?

E eis o maior perigo.

Quando a questão escapa do cotidiano, da nossa roda de conversa entre amigos e transcende para os campos do fazer, encontramos no palpiteiro de plantão a ilusão do conhecimento, que é muito pior que a ignorância pura, porque enquanto esta estabelece no indivíduo uma humildade que o faculta a aprender, aquela lhe arroga uma superioridade ilusória que o imobiliza em sua condição de precário conhecimento e o estabelece como um agente repetidor de disparates na prática diária de seu vaidoso proselitismo.

Não são poucos os palpiteiros que, por exemplo, se arrogam como sábios ou curandeiros que “receitam remédios” à revelia do conhecimento das Ciências Médicas, incentivando, por um lado, a automedicação, e por outro, a manutenção de crendices e superstições que muitas vezes refutam os tratamentos eficazes — que são rigorosamente avaliados pela comunidade científica.

É esse analfabetismo científico, que a meu ver, é a principal fonte de tantos disparates.

É o obscurantismo em sua forma mais doentia que ao mesmo que faz o indivíduo se comportar como massa de manobra, procura afastá-lo da luz do conhecimento, simplesmente fazendo com que ele negue sua capacidade de pensar e de sentir por si mesmo.

Para concluir, um sério convite: Que tal pensarmos rigorosamente sobre esse assunto?

– Porque afinal de contas, este artigo não deixa de ser — também — um simples palpite.

-o-

[Imagem: Compass de Richard Jonkman]

[Leia os outros artigos de Mustafá Ali Kanso]

 

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Foi premiado com o primeiro lugar no Concurso Nacional de Contos da Scarium Megazine (Rio de Janeiro, 2004) pelo conto Propriedade Intelectual e com o sexto lugar pelo conto Singularis Verita.

8 comentários

  • [email protected]:

    E, ainda tem um detalhe ingrato por traz da boa intenção de esclarecer pessoas! Estudos e conhecimento de causa ,apoiado por outras áreas de conhecimentos, com seriedade,avaliação correta e humildade são uma bagagem útil para esclarecer pessoas com dúvidas ou curiosas. Ocasionalmente se descobre depois ,que correm comentários maldosos sobre um “sabe tudo”, que se acha o bom, que tudo que se pergunta, ele sempre tem uma resposta ,ou outras pérolas da inveja .
    Como nossa escola “burra” só dá instrução pois, não ensina à pensar e agir dentro dos princípios culturais básicos e efetivos do ser humano,temos uma massa que é dirigida à consumir e praticar instruções políticas e técnicas, que servem unicamente à nefastos objetivos.Dá-se publicação e debate à qualquer ideia ,por mais absurda que seja ,embaralhando propositalmente os fundamentos verdadeiros de condução e convivência da sociedade.A falta de base cultural efetiva,transforma a sociedade em palpiteiros desorientados apenas .
    O maior dos paradoxos : tanta ciência,tanto conhecimento mas, a idiotizarão, a selvageria , são os resultados e padrões modernos ,com moderna ideia de que “evoluímos”.

  • Pedro Henrique Mota:

    Só faltou correr uma lágrima aqui por ver a exploração de um assunto tão recorrente, mas que não recebe a devida atenção.

    É entristecedor notar o hábito tão popular de pouco pensar de forma crítica e ceder, voluntária ou involuntariamente, à simples repetição do que ouvem por aí, sem discernir cuidosamente o que assumem. Muitas outras vezes, ainda quando há resquícios de pensamento crítico, há superficialidade e limitação ideológica: tenta-se perceber a realidade de forma eficiente, mas se faz apenas um apanhado do senso crítico mais aclamado.

    Falar sobre isso não é um simples ataque de pelanca.

  • pmahrs:

    De fato vivemos numa “midiacracia” e quem tem opinião que não se encaixe nos moldes impostos para pessoas sem discernimento próprio, logo é rotulado como blasfemador, mas não só da religião como também de política, ciências, artes e esportes por alguns poucos fanáticos que tratam cada uma destas áreas como religião. Infelizmente num país como o nosso, onde apenas 5% dos habitantes ganha o suficiente para pagar impostos sem restituir tudo ou quase no IRPF, não dá para se esperar que opiniões não sejam formadas por mídias e pelos que têm capacidade chegam até a maioria por si próprios, sem precisar que esta maioria que vá em busca ou pague para se informar com boas revistas internacionais, universidades e professores particulares aqui e no exterior.

    “O artista vai onde o povo está” já disse o sábio poeta. Se quisermos pessoas mais esclarecidas sobre ciência num país pobre, ela deve ir ao povo ou ao menos, estar acessível a todos como fazem várias religiões, futebol, alguns políticos, mídias, traficantes, alfabetizadores, aliciadores, voluntários e instituições filantrópicas, sem esperar que governos que resolvam tudo para ai poder chegar aos mais pobres.

    • pmahrs:

      É só um palpite. Tem gente que pede nossa opinião, mas se não dermos o que ele espera só falta nos excomungar.

      “….Preciso de amigo o suficiente para dizer-me as verdades que não quero ouvir, mesmo sabendo que posso odiá-lo por isso….” (Charlie Chaplim

  • Marne:

    Na matéria “Posso dar um Palpite”
    Referem-se a Ciclano, referente a Ciclos ou queriam se referir a Cicrano referente a fulano etc.
    A título de curiosidade e também de colaboração,
    Marne

    • MTulio:

      Nem Ciclano, nem Cicrano. Correto é Sicrano.

    • Mustafá Ali Kanso:

      Caríssimos leitores,

      O correto mesmo é beltrano, pois sugeri primeiro fulano. Sicrano seria uma terceira pessoa.

      Ciclano é uma piada interna: é um alcano cíclico.

      Eu sei, eu sei – uma piada perde a graça quando é explicada. Mesmo uma piada de químico.

      Mas, sinceramente, gostei muito dos palpites de vocês 🙂

      Grato pela audiência

    • Marcelo Ribeiro:

      Adorei a explicação. 😀

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