Quem tem medo da menstruação?

Por , em 9.12.2017


Querido leitor sem experiência com a menstruação, o que você sabe sobre os produtos de higiene íntima feminina? Conhece os diferentes tipos de absorventes ou coletores menstruais? Sabe em detalhes como e onde eles devem ser colocados no corpo? Sente-se incomodado ao passar pela seção de absorventes do supermercado ou, pior ainda, em ter que comprar um desses produtos para outra pessoa?

Este desconforto com o tema é tão generalizado no mundo todo que até rende vídeos no YouTube como este, este ou este com o tema “missão absorvente”, em que homens passam pela traumática provação de escolher, carregar e pagar pelo produto feminino sozinhos.

Há também os vídeos em que os homens tentam adivinhar como os absorventes (internos ou externos) e coletores menstruais funcionam, como este.

Não sinta-se tão mal caso você não conheça ou não consiga comprar produtos íntimos femininos com desenvoltura. Este problema também é comum entre adolescentes que estão passando pelos primeiros sangramentos, e já foi muito pior há algumas décadas, mesmo entre as mulheres adultas.

Quando os primeiros absorventes industrializados foram inventados, em 1888, as próprias mulheres resistiram a usá-los porque não conseguiam sequer reunir coragem para comprá-los. Para que as mulheres não tivessem que dizer “toalha sanitária para mulheres”, as marcas criaram nomes que não remetem ao produto, como “Nupak” e “Modess”, da Johnson & Johnson. Além disso, havia uma máquina dispensadora em que as clientes poderiam colocar as moedas para pagar por eles, sem passar pelo constrangimento de interagir com o vendedor. Depois foi criado o “cupom de venda silenciosa”, que era recortado de revistas e apresentado ao vendedor sem que o nome do produto tivesse que ser pronunciado em voz alta.

Cupom para venda silenciosa de absorvente

Era (e ainda é para alguns) como se a simples menção de um produto íntimo feminino fosse suficiente para depor contra o comprador ou compradora. Caso traçássemos um paralelo, seria como alguém ter vergonha de comprar papel higiênico porque não quer que as pessoas saibam que ela urina e evacua. É possível dizer com segurança que ninguém tem vergonha de comprar ou falar em voz alta a palavra “papel higiênico”.

Quem tem medo de papel higiênico?

Um estudo de 2006 conhecido como “grampo de cabelo vs. absorvente” foi conduzido com 32 mulheres e 33 homens caucasianos dos Estados Unidos. Os participantes interagiram com uma atriz que derrubava um grampo de cabelo ou um absorvente de sua bolsa. Depois os participantes avaliavam esta mulher, dizendo se ela era agradável e se parecia competente. O resultado foi que quando um absorvente caía da bolsa, a avaliação tanto dos participantes homens quanto mulheres era mais negativa do que quando um grampo de cabelo caía, e os voluntários até mantinham maior distância física em relação à ela.

Isso tudo é reflexo da falta de diálogo sobre o assunto, que fica escondido e acaba envolto em uma aura mitológica relacionada à impureza.

Segundo pesquisa de 2017 da Plan International, ONG da Inglaterra:

  • 71% das meninas de 14 a 21 anos não se sentem confortáveis para falar disso com o pai;
  • 71% das meninas admitiram que já tiveram vergonha de comprar produtos de higiene feminina;
  • 78% das meninas sentem-se desconfortáveis ao falar de menstruação com professores;
  • apenas 24% das meninas sentem-se à vontade para falar sobre o assunto com amigos do sexo masculino;

O incômodo com o sangue menstrual é tanto que uma simples imagem de uma mulher com um pequeno vazamento causou enorme polêmica em 2015, quando a imagem de Prabh Kaur e Rupi Kaur foi deletada duas vezes do Twitter depois de inúmeras denúncias. O microblog acabou voltando atrás e pedindo desculpa pelo erro, e a imagem pôde permanecer pública.

Essa imagem te provoca nojo?

E essa imagem, provoca nojo?

A fotógrafia faz parte do Project Period, que tenta naturalizar a descamação da parede do útero. “Eu sangro todo mês para ajudar a tornar a humanidade uma possibilidade (…) Mas a maioria das pessoas, sociedades e comunidades evita esse processo natural. Algumas estão mais confortáveis com a pornificação da mulher. Com a sexualização da mulher. Com a violência e degradação da mulher”, diz a descrição do projeto.

Outra pessoa que é muito jovem mas que já luta pela superação desse tabu é Maisa Silva, que explica no vídeo “Menstruei na escola – e agora?” para as adolescentes brasileiras que menstruação é normal e não há motivo para vergonha, especialmente em relação a pedir para sair da sala de aula por conta da cólica ou para usar o banheiro.

Gravura em pedra na Austrália mostra mulheres dançando e possivelmente sangrando

Esta forte relutância em aceitar a menstruação existe desde o início da humanidade, em épocas em que a visão mágica do mundo imperava, ao invés da científica. Coloque-se no lugar dessas pessoas: uma mulher que sangra sem estar ferida só pode ter algum problema incompreensível. Além disso, há uma teoria que diz que a desnutrição, o grande número de gestações e a menopausa precoce que existia há alguns séculos tornavam este evento tão raro que assustava ainda mais aquelas pessoas.

Há poucos relatos históricos sobre a menstruação, uma vez que a história foi registrada por escribas homens e este assunto era considerado restrito à esfera feminina. “Não sabemos nem que nível de perda de sangue era esperado”, diz a professora de Estudos Clássicos da Open University (Reino Unido), Helen King.

Estresse e dietas malucas fazem jovens pararem de menstruar

E por que é tão importante que os homens percam o medo da menstruação e entendam esse processo que nunca terão a chance de sentir experimentar por si só? As crenças e atitudes dos homens, além de terem importante força socializadora na vida das mulheres, influenciam diretamente a criação e oferta de produtos e medicamentos necessários para o período menstrual e pré-menstrual.

O vlogger dos EUA Andrew Slyfox admite que não se sente confortável comprando absorvente para a esposa

Atitudes negativas em relação à menstruação impactam o bem-estar físico e emocional de meninas no mundo todo. A simples falta de acesso a absorventes descartáveis e ao banheiro em escolas de países em desenvolvimento faz com que as adolescentes parem de frequentar a escola ainda no ensino fundamental. Segundo a organização WaterAid, 1,25 bilhão de mulheres não têm acesso ao banheiro durante seus períodos menstruais.

Enquanto as mulheres esconderem os produtos de higiene feminina no fundo do carrinho de compras, continuarem com vergonha de pedir um absorvente em voz alta para uma amiga e a atitude dos homens continuar infantilizada, os mitos como a ideia de que no período menstrual as mulheres têm o rendimento afetado (desmentido por este estudo da Universidade de Zurique), por exemplo, vão permanecer (este estudo não avalia os efeitos das dores da cólica, apenas rendimento cognitivo).

Ao mesmo tempo, leis sobre a licença de trabalho para dores menstruais não avançam. Iniciativas individuais de empresas como a Nike já acontecem, em que há uma “baixa menstrual” de um ou dois dias por mês para as funcionárias.

E se os homens menstruassem?

Inspirado na campanha bem-humorada da WaterAid “#ifmanhadperiods (se homens tivessem períodos) e em lista com mesmo tema publicada pelo jornal El País em 2016, veja o que provavelmente seria diferente na sociedade se homens também menstruassem:

5. Menstruar seria sinal de masculinidade e poder, e teria mais impacto na economia global
Os homens competiriam entre si sobre quem tem maior fluxo menstrual e os trabalhadores poderiam ter dias de folga mensais para lidarem com as dores das cólicas.

4. A menarca seria motivo de celebração religiosa e a pessoa menstruada não seria banida desses locais de culto
Por serem consideradas impuras, mulheres do Nepal, por exemplo, são obrigadas pela tradição chhaupali a se isolar de todos. Elas têm que sair de casa e passar dias e noites em abrigos para animais ou cavernas, não podem tocar em utensílios de cozinha ou beber da mesma fonte de água que o resto da família.

3. Os produtos de proteção menstrual não seriam considerados bens de luxo
Essa discussão está presente em países como Estados Unidos, Reino Unido e Austrália, em que há impostos mais altos para esses produtos por não serem considerados de primeira necessidade.

2. Profissionais do esporte levariam a menstruação à sério
O tema seria melhor estudado para o atleta obter o melhor rendimento físico nessa altura do mês. Dos melhores treinamentos para esses dias aos melhores produtos de higiene íntima.

1. Atletas top como o Messi ou Cristiano Ronaldo fariam publicidade de absorventes e coletores menstruais
Nesses anúncios, o foco seria na tecnologia de ponta do produto. Os homens não andariam saltitantes com calças brancas e a imagem de líquidos azuis caindo nos absorventes não seriam usadas.

4 comentários

  • Cesar Grossmann:

    Eu não tenho receio de comprar absorvente higiênico, só precisa me dizer certinho se é grande, médio ou pequeno, para os primeiros dias ou para os últimos ou para o período de maior fluxo, se quer com abas ou sem abas, para o dia ou para a noite, se um pacote chega ou se precisa mais. Melhor se der um pedaço de embalagem com o nome e modelo certinho.

  • José Eduardo:

    O site está mais leve e bonito. No entanto, insiste nesse maldito sistema de comentários jurássico. Por favor, se alguém importante estiver lendo isso, peça para introduzir o disqus como sistema padrão de comentários!

  • Charles Goveia:

    Só uma curiosidade, a menstruação é tipo um xixi, da aquela vontade e sai ou vem do nada e começar sair? Tem como segurar?

    • Cesar Grossmann:

      Não é um tipo de xixi, é tecido conjuntivo e um pouco de sangue. Parece sangue, e não sei se “dá vontade”, uma mulher pode dizer com certeza o que sente antes (além da cólica e, para quem não sabe, cólica é um tipo de dor), mas com certeza não tem como segurar.

Deixe seu comentário!