Nós nascemos com racismo? Você pode se surpreender com a resposta
Nós nascemos racistas? Se você está curioso pela resposta, devo adiantar que ela não é muito clara. O preconceito tem muitas facetas na sociedade e na biologia, mas uma coisa é certa: nós nascemos fazendo diferenciações. Se vamos aumentar nosso círculo de contatos e superar nossas primeiras impressões ou não, é outra história.
Questão de sobrevivência
Segundo Rodolfo Mendoza-Denton, professor de psicologia e ciências sociais na Universidade da Califórnia em Berkeley, nos EUA, e coeditor do livro “Are We Born Racist?: New Insights from Neuroscience and Positive Psychology” (em tradução livre, “Nascemos racistas?: Novos Insights de Neurociência e Psicologia Positiva”), a pesquisa mostra que os seres humanos têm uma propensão natural para fazer distinções entre “nós” e “eles”.
Essa tendência tem um valor de sobrevivência. Precisamos saber em quem confiar e com quem partilhar recursos, e quem é nosso inimigo. Desde tenra idade, prestamos atenção aos sinais que nossos cuidadores (pais ou outras figuras de autoridade) prestam atenção. Também detectamos padrões muito sensíveis em relação a outros seres humanos.
Vamos dizer que, quando criança, você teve uma experiência assustadora com o Papai Noel. Isso pode te fazer se sentir desconfortável com qualquer pessoa com uma barba branca mais tarde na vida.
Isso significa que nascemos preconceituosos?
Não.
“Há alguns anos, uma pesquisa que fez manchetes parecia sugerir que somos programados para ser racistas”, explica Mendoza-Denton.
Os cientistas descobriram que, quando os sujeitos da pesquisa foram convidados a fazer distinções entre fotos de rostos negros e brancos, uma parte do cérebro chamada amígdala se iluminou. A amígdala é parte do sistema límbico, uma parte inicial da evolução do cérebro, de modo que os resultados pareciam mostrar que o viés (o “preconceito”) é uma resposta muito básica ou primitiva.
“Mas, desde então, descobrimos que a amígdala se acende quando as pessoas são convidadas a fazer quase qualquer tipo de distinção socialmente relevante, positiva ou negativa. Assim, a compreensão científica atual é que somos programados para fazer distinções que são úteis na navegação de nosso mundo social, mas não para sermos racistas per se”, conclui.
Existe uma função social para o preconceito?
“Fazer reivindicações sobre se uma tendência comportamental evolutiva é adaptável nos dias de hoje é sempre uma proposição perigosa. Mas você pode certamente dizer que os vieses e preconceitos que temos tornam o mundo mais simples, no sentido de que não é tão difícil decidir em quem confiar e em quem não confiar”, afirma Mendoza-Denton.
Ou seja, preconceitos nos dão um esquema pré-determinado a partir do qual podemos fazer sentido do mundo. Mas, especialmente em uma sociedade multicultural como a nossa, preconceitos são frequentemente muito limitantes e prejudiciais.
Efeitos de saúde do preconceito e do racismo
Existem consequências para a saúde de ambos alvos e agentes de discriminação, mas elas são muito mais graves para as vítimas.
Para as pessoas que são normalmente alvos de discriminação, como afrodescendentes, particularmente quando essa discriminação é crônica, as consequências para a saúde são importantes e claras.
“Meu trabalho tem mostrado que a discriminação e a ameaça de discriminação são muito estressantes para o corpo. Levam a processos inflamatórios, que são por sua vez relacionados com muitas das consequências para a saúde que vemos entre as populações minoritárias no país [os EUA], tais como doenças cardíacas e diabetes”, diz o pesquisador.
A intolerância também tem consequências negativas para as pessoas que são preconceituosas. Interagir com grupos do qual uma pessoa tem preconceito pode ser altamente estressante e produzir ansiedade. Intolerância muitas vezes se manifesta em raiva, e sabemos que a raiva tem consequências significativas para a saúde também.
O que podemos fazer para minimizar ou eliminar nossos preconceitos?
A primeira coisa a entender é que as distinções “nós” e “eles” são altamente maleáveis. Quer se trate de raça, classe, religião, sexo ou orientação sexual, a pesquisa mostra que as identidades específicas podem mudar.
“A familiaridade produz o gosto”, explica Mendoza-Denton. Ou seja, quanto mais contato você tiver com grupos diferentes, menos influenciado por estereótipos e preconceitos você será. “Alguns dos nossos preconceitos surgem simplesmente porque não temos experiência com outros grupos. Nós nunca temos a chance de refutar nossos estereótipos defeituosos”.
Se você não conhece nenhum gay, por exemplo, pode ter uma imagem desse grupo que não corresponde com a realidade. Ao passar tempo com pessoas gays, você pode acabar percebendo que elas são na verdade muito parecidas com você.
Os benefícios positivos de experiências como esta podem ir além dos indivíduos envolvidos. “Se eu disser a um amigo meu que é tendencioso contra gays que um colega de trabalho que eu admiro muito é gay, por exemplo, esse amigo pode começar a questionar seus próprios preconceitos. Isso é chamado de efeito prolongado de contato, e pode ser bastante poderoso”, conta o estudioso.
O público é importante na mudança de percepções
A notícia desanimadora é que a nossa sociedade é estruturada contra este tipo de mistura de grupos. Continuamos a ser segregados por classe e status, e é muito fácil para as pessoas evitar o contato com outras que “não são como elas”.
Figuras públicas e leis públicas podem entrar em cena para mudar a percepção de certos preconceitos na sociedade, nesses casos.
Mendoza-Denton cita que a presidência de Obama – o próprio fato de terem eleito um homem negro para o mais alto cargo nos EUA – mudou a paisagem para muitas pessoas. Ter mulheres em posições de liderança também pode mudar as atitudes e percepções sobre as mulheres.
Por fim, leis em favor do casamento gay, por exemplo, sinalizam uma posição cultural com respeito a certas diferenças. Sinalizam uma norma social, estabelecendo a forma como nossa sociedade pensa sobre determinadas questões.
Dica para se tornar menos preconceituoso
Se você quer se livrar de seus pré-conceitos, o que deve fazer é tentar ampliar seus contatos para incluir pessoas que não estejam naturalmente no seu círculo social. Parece simples, mas não é.
“Deixe-me mencionar um achado interessante de estudos com crianças pequenas. As crianças mais populares, os pesquisadores descobriram, têm as mais diversas redes sociais. Elas são amigas de todos. Mas, conforme ficam mais velhas, elas perdem a diversidade em suas redes sociais. Por quê? Por pressão dos colegas”, explica Mendoza-Denton.
Não se acomode. É importante tentar, deliberadamente, ser inclusivo em suas amizades e relacionamentos. E é preciso ter cuidado para ser realmente genuíno. Se você pensa: “Miguel, meu amigo negro”, isso em si pode ser um problema, porque ele é seu amigo negro em vez de apenas seu amigo.
Uma estratégia para conviver em diversidade sem destacar diferenças é encontrar pontos em comum, como mesmo gosto musical ou interesse em esportes. O esporte é uma bela forma de juntar um grupo diversificado de pessoas com base em seu amor por futebol, basquete ou yoga, por exemplo. [Phys]