9 fatos sobre reviver os mortos que você deveria saber

Por , em 31.07.2014

Em 1986, uma menina de dois anos e meio chamada Michelle Funk caiu em um córrego e se afogou. No momento em que os paramédicos a encontraram, ela não respirava há mais de uma hora, e seu coração havia parado. Em outras palavras, ela estava morta.

Um pouco inexplicavelmente, os paramédicos continuaram tentando salvá-la, bem como os médicos na sala de emergência do hospital. Três horas depois que Michelle morreu, seu coração acelerou de novo.

O caso de Funk inspirou David Casarett a fazer faculdade de medicina para trazer as pessoas de volta à vida. Casarett é agora professor de medicina na Universidade da Pensilvânia (EUA).

No entanto, inspirado como estava pelo renascimento quase milagroso de Funk, Casarett também presenciou muitos casos comoventes em que pacientes foram revividos com esforços heroicos apenas para definhar em uma UTI por semanas, enquanto suas famílias sofriam para decidir por quanto tempo mantê-los com suportes de vida.

Esses casos fizeram com que Casarett abandonasse seus planos iniciais de ressuscitação de pacientes. Ele agora se concentra em aliviar o sofrimento de doentes perto do fim da vida.

Em seu novo livro, “Shocked: Adventures in Bringing Back the Recently Dead” (“Chocado: Aventuras Sobre Trazer de Volta os Recentemente Mortos”, em tradução livre), ele explora a história, a ciência e os perigos morais de reviver pessoas recentemente mortas.

Confira nove fatos sobre reviver os mortos que vão te surpreender:

9. Pessoas tentam reviver outras desde o século 18

Em 1700, bons samaritanos em várias cidades europeias começaram a ter grande interesse em reviver pessoas que se afogaram. Seus métodos podem parecer duvidosos hoje – eles jogavam a pessoa morta em um cavalo trotando, a molhavam em água gelada, raspavam a parte posterior da sua garganta com uma pena, sopravam fumaça de tabaco no seu ânus, davam surras etc -, mas alguns deles têm, na verdade, fundamento científico.

O movimento de um cavalo trotando poderia mover o diafragma da pessoa para cima e para baixo o suficiente para forçar ar para dentro e para fora dos seus pulmões e estimular a circulação de forma não muito diferente da atual técnica de ressuscitação cardiopulmonar. Já o fumo do tabaco contém nicotina, o que leva o cérebro a liberar adrenalina, que por sua vez aumenta a frequência e a força de contração do coração. Na verdade, a adrenalina é um item fundamental nas ambulâncias hoje.

“Algumas das técnicas que eles tentaram naquela época eram bizarras, mas acabaram por ser ancestrais diretos de coisas que usamos hoje”, diz Casarett. “Respiração boca-a-boca foi pioneira, tanto quanto posso dizer, em Amsterdã no final do século 18, e ainda é um dos pilares da ressuscitação hoje”.

8. Se você quer morrer e viver para contar sobre isso, morra em algum lugar frio…

Casarett narra em seu livro vários contos notáveis de pessoas que voltaram à vida depois de uma hora ou mais sem respirar e sem pulso. Em todos estes casos, a pessoa estava em um lugar frio, como a mulher sueca que sobreviveu 80 minutos presa sob gelo em um riacho congelado.

Isso não é uma coincidência. Quando as células são privadas de oxigênio e nutrientes, elas logo começam a se autodestruir. O frio atrasa este processo, reduzindo as necessidades metabólicas das células. Isso permite que o cérebro e outros órgãos não sofram tantos danos quanto sofreriam em temperatura ambiente, na qual não há praticamente nenhuma chance deles sobreviverem, pelo menos não cognitivamente intactos.

“Hoje, alguns dos mais emocionantes trabalhos da medicina sobre reanimação envolvem temperaturas frias”, explica.

7. …Ou em Pittsburgh, nos EUA

Casarett diz que um estudo clínico em andamento na Universidade de Pittsburgh pretende justamente colocar essa ideia da temperatura fria em teste em pacientes com trauma. Em casos extremos, onde uma grande perda de sangue cause uma parada cardíaca, os médicos vão substituir o sangue do paciente com solução salina congelada, na esperança de ganhar tempo para reparar as feridas antes que células e órgãos comecem a morrer. Há uma discussão ética sobre o tratamento, porque os pacientes estão inconscientes e, portanto, incapazes de dar consentimento, mas as pessoas podem solicitar uma pulseira que deixaria os médicos saberem que elas não querem ser “cobaias”, se por acaso tornarem-se uma vítima que se encaixa nesse perfil.

Casarett diz que não está suficientemente familiarizado com os detalhes do estudo para comentar sobre as questões éticas, mas se diz fascinado pela ciência por trás dele. No seu livro, o autor descreve alguns dos experimentos com cães e porcos que lançaram as bases para a pesquisa em humanos. “Esta não é apenas uma ideia meio incerta, tem uma base muito forte em biologia molecular”, argumenta.

6. Animais que hibernam podem ajudar humanos a serem revividos no futuro

Através da hibernação, animais como ursos e esquilos desaceleram seu metabolismo para sobreviver no inverno. Se os seres humanos pudessem ser colocados em um estado semelhante de animação suspensa, isso seria uma excelente alternativa a colocá-los no gelo (ou substituir o seu sangue com uma solução salina congelada) para preservar seu cérebro e outros órgãos.

O estado suspenso através do gelo tem desvantagens: torna mais difícil de restaurar um ritmo normal no coração e requer uma grande quantidade de equipamentos, o que impossibilita o uso dessa técnica fora de um hospital. Uma substância química que poderia fazer a mesma coisa seria mais eficaz e mais amplamente útil.

Durante sua pesquisa para “Shocked”, Casarett visitou laboratórios de cientistas que estão tentando entender as mudanças bioquímicas que ocorrem quando animais como esquilos, ratos e lêmures (esses últimos os únicos primatas que hibernam conhecidos) entram em um estado de hipometabolismo. Ou seja, não é loucura imaginar um futuro em que ambulâncias possuam uma droga derivada de um composto encontrado em animais que hibernam.

5. Não desperdice seu dinheiro com criogenia

O livro de Casarett dedica todo um capítulo sobre criogenia. Segundo o médico, existem pessoas dispostas a desembolsar US$ 200.000 (mais de R$ 448 mil) para colocar seus corpos no gelo depois que morrem, na esperança de que os cientistas um dia encontrem uma cura para o que as matou e as ressuscitem.

Casarett ficou impressionado com as palestras científicas sobre as formas de resfriar um corpo recém-falecido o mais rapidamente possível e como congelá-lo sem a formação de cristais, que poderiam rasgar os tecidos do corpo em pedaços e bagunçar as concentrações de eletrólitos do organismo.

Apesar disso tudo, ele não ficou convencido de que os congelados hoje serão reanimados no futuro com sucesso. “Consigo pensar em um monte de outras maneiras de gastar esse dinheiro”, diz.

4. Faça um treinamento em RCP

Soprar dentro da boca de alguém e massagear seu peito podem de fato ajudar muito uma pessoa até que uma ambulância chegue. Em resumo, a RCP (ressuscitação cardiopulmonar) salva vidas.

Até quem não conhece a técnica pode salvar a vida de alguém em parada cardíaca com um desfibrilador automático externo. Estes dispositivos são capazes de detectar um ritmo cardíaco anormal e emitir comandos de voz para guiar mesmo um usuário iniciante a aplicar um choque elétrico para dar maiores chances de sobrevivência a um paciente.

Segundo Casarett, mais pessoas treinadas em RCP e mais desfibriladores disponíveis em locais públicos constituem uma estratégia excelente para revivermos com sucesso mais pessoas. Pena que muitos governos não investem em ideias como essa.

3. Ressuscitação não funciona da maneira que você vê na TV

A maior diferença entre a reanimação como mostrada na TV e a realidade é a probabilidade de sucesso. “Na TV, eles fazem parecer muito mais fácil e mais eficaz do que é na vida real”, afirma Casarett.

Um estudo da década de 1990 tentou quantificar essa diferença, e os pesquisadores descobriram que 75% das pessoas que receberam RCP na TV sobrevivem, em comparação com menos de 30% na vida real.

Outra diferença é que as pessoas recentemente ressuscitadas muitas vezes vomitam. Quando você está inconsciente, seus músculos relaxam, inclusive o músculo do esfíncter na parte inferior do esôfago que normalmente impede que o seu conteúdo estomacal volte para cima. Uma pessoa deitada sobre suas costas recebendo batidas em seu peito com esse músculo relaxado provavelmente vai cuspir alguma coisa ao ser reanimada, algo que podemos entender por que normalmente não vemos na televisão.

2. Morrer não é tão simples como costumava ser, porque há mais maneiras de se reviver

A linha entre “vivo” e “morto” está ficando cada vez mais estreita graças aos avanços da tecnologia. “Vários médicos com quem conversei me disseram que mesmo cinco anos atrás, quando confrontados com um paciente com parada cardíaca, seria bastante claro em algum momento que já estavam esgotadas as possibilidades e não havia nada mais que se poderia fazer”, conta Casarett.

Mas agora há mais e mais coisas para tentar. Por exemplo, hoje existem máquinas de oxigenação por membrana extracorpórea que podem retirar o sangue de um paciente com insuficiência cardíaca, oxigená-lo e bombeá-lo de volta para o corpo, mantendo a pessoa viva – ou algo do tipo. “Essa linha está ficando mais difícil de definir por causa de todas essas tecnologias”, diz.

1. Voltar do mundo dos mortos tem um custo

Restaurar a vida pode estar ficando mais fácil com toda a ajuda das novas tecnologias médicas, mas se é uma vida digna de ser vivida é outra questão.

De acordo com Casarett, a qualidade dessa vida pode ser questionável, especialmente quando um paciente revivido nunca recupera a consciência. E depois há a questão que ninguém gosta de falar: a dos custos financeiros, que podem chegar a mais de US$ 20.000 por dia (quase R$ 45 mil).

Conforme a ciência médica avança, podemos esperar mais incríveis histórias de ressuscitação. No entanto, também podemos esperar debates mais difíceis sobre os custos emocionais e financeiros dessas novas tecnologias, e que tipo de vida e morte elas fornecem. [Wired]

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