O site pirata de artigos científicos onde é possível baixar milhões de trabalhos

Por , em 14.02.2016

Dezenas de milhares de estudantes e pesquisadores em todo o mundo não conseguem pagar as caras assinaturas de revistas científicas, de forma que ficam sem acesso a pesquisas importantes.

Isso seria de entristecer qualquer coração e atrapalhar qualquer progresso, não fosse por uma brava pesquisadora do Cazaquistão chamada Alexandra Elbakyan. Em 5 de setembro de 2011, ela criou o Sci-Hub, um site que ignora os pedidos de pagamento e fornece ilegalmente acesso a quase todos os artigos científicos já publicados para qualquer um em qualquer lugar.

Alexandra é basicamente o Robin Hood da ciência.

Pirateando

O site funciona em duas etapas. Primeiro, tenta baixar uma cópia do banco de dados LibGen, um banco de conteúdo pirata que abriu suas portas para trabalhos acadêmicos em 2012 e agora contém mais de 48 milhões de artigos científicos.

A parte engenhosa do sistema é que se LibGen ainda não tiver uma cópia do documento, Sci-Hub tem uma segunda maneira de ignorar o pedido por pagamento da revista científica: o site usa senhas de acesso doadas por acadêmicos que tiveram a sorte de estudar em instituições que possuem uma gama adequada de assinaturas.

Isso permite que o Sci-Hub encaminhe o usuário direto para o artigo que ele quer através de editoras como JSTOR, Springer, Sage e Elsevier. Depois de entregar o artigo para o usuário em questão de segundos, o Sci-Hub doa uma cópia do documento para LibGen, onde ele fica armazenado para sempre, acessível por todos e qualquer um.

Um mundo de conhecimento

Recentemente, a Elsevier alegou em tribunal que o Sci-Hub está colhendo conteúdo pirata a uma taxa de milhares de documentos por dia. Alexandra coloca o número de artigos copiados a partir de várias editoras através do Sci-Hub na faixa de centenas de milhares por dia, entregue a um total de mais de 19 milhões de visitantes.

A eficiência do sistema é realmente muito surpreendente, trabalhando muito melhor do que os modos relativamente primitivos de acesso concedido a pesquisadores em universidades.

Os usuários não têm sequer que visitar o site do Sci-Hub para ver um artigo. Em vez disso, quando confrontados com um bloqueio de acesso, podem simplesmente colar a URL do Sci-Hub na barra de endereços de um artigo após o “.com” ou “.org” e antes do restante da URL.

A rede provavelmente tem um maior nível de acesso à ciência do que qualquer universidade, indivíduo ou governo em qualquer lugar do mundo, uma vez que o Sci-Hub representa a soma do acesso institucional de incontáveis pessoas – literalmente um mundo de conhecimento.

Todo mundo quer, então o Sci-Hub dá

Até mesmo a nobre Universidade de Harvard já não pode se dar ao luxo de pagar taxas de assinaturas caras de revistas científicas. A Universidade Cornell também já finalizou muitas das suas assinaturas com a Elsevier mais de uma década atrás. Para pesquisadores fora das instituições mais ricas dos EUA e Europa Ocidental, a pirataria tem sido a única forma de fazer ciência.

Esta foi a experiência da Alexandra, que estudou na Universidade do Cazaquistão e foi forçada a piratear a fim de completar seus estudos. O acesso a cada artigo custa cerca de 30 dólares, e quando é preciso ler muitos para uma pesquisa, esse preço fica impraticável.

Antes do Sci-Hub, o problema dos artigos caros era resolvido de outras maneiras. Por exemplo, os alunos visitavam um fórum online onde outros pesquisadores se comunicavam e solicitavam documentos. Isso ainda acontece, aliás. Mesmo instituições com dinheiro agora rotineiramente enviam e-mails diretamente aos autores de trabalhos pedindo uma cópia de seu artigo.

Ter que implorar para ter acesso a pesquisa é algo que Alexandra acha “arcaico”. De acordo com ela, o projeto di Sci-Hub começou uma nova era no qual os pedidos de informação são resolvidos por máquinas, e não por outros pesquisadores.

A vilã Elsevier

No ano passado, o juiz Robert W. Sweet decidiu uma liminar contra o Sci-Hub, tornando o ex-domínio do site indisponível. Essa liminar veio antes de outro julgamento Elsevier vs. Sci-Hub, um caso que a Elsevier deve vencer – devido, em grande parte, ao fato de que ninguém do site vai aparecer em solo americano para iniciar uma defesa. A Elsevier alega “dano irreparável” e pede indenização de US$ 750 a US$ 150.000 por cada obra pirateada.

A Elsevier é a maior editora acadêmica do mundo e, de longe, a mais controversa. Mais de 15.000 pesquisadores prometeram boicotar a editora a fim de que ela diminua seus “preços exorbitantes”, além de evitar que una revistas indesejadas a revistas essenciais, uma prática que supostamente está falindo bibliotecas universitárias. A Elsevier também apoia leis que os pesquisadores afirmam restringir a livre troca de informações. Por fim, a editora não permite que pesquisadores vinculados a ela tenham seus próprios estudos publicados em sites como Academia.edu.

O movimento contra a Elsevier ganhou velocidade ao longo do último ano, com a demissão de 31 membros do conselho editorial da revista Lingua, que saíram em protesto para criar a sua própria revista de acesso aberto, Glossa. Agora, o campo de batalha mudou do nicho da linguística para o campo muito maior das ciências cognitivas. No mês passado, uma petição de mais de 1.500 pesquisadores pediu “acesso aberto justo”, uma vez que a Elsevier cobra atualmente dos pesquisadores US$ 2.150 por artigo se eles desejam que seu trabalho seja publicado na famosa revista Cognition.

Em uma carta ao juiz, Alexandra defendeu sua posição usando não razões legais, mas sim razões éticas. Ela escreveu: “Quando eu era estudante na Universidade do Cazaquistão, eu não tinha acesso a quaisquer documentos de pesquisa. Esses artigos eu precisava para o meu projeto de pesquisa. O pagamento de 32 dólares é simplesmente insano quando você precisa ler dezenas ou centenas desses artigos para fazer a pesquisa. Obtive estes artigos ao pirateá-los. Mais tarde descobri que há muitos pesquisadores (nem mesmo alunos, mas pesquisadores universitários) como eu, especialmente nos países em desenvolvimento. Eles criavam comunidades online (fóruns) para resolver este problema. Eu era uma participante ativa em uma dessas comunidades na Rússia. (…) Eu podia obter qualquer artigo através da pirataria, então atendi muitos pedidos e as pessoas sempre foram muito gratas por minha ajuda. Depois disso, eu criei Sci-Hub.org, um site que simplesmente torna este processo automático e ele imediatamente se tornou popular”.

O capitalismo ganha, a ciência perde

Pesquisadores e universidades não ganham um único centavo das taxas cobradas por editoras como a Elsevier para aceitar seu trabalho, enquanto a própria Elsevier tem uma renda anual de mais de um bilhão de dólares norte-americanos.

Alexandra explica: “Eu também gostaria de mencionar que Elsevier não é a criadora destes artigos. Todos os trabalhos em seu site são escritos por pesquisadores e eles não recebem dinheiro do que a Elsevier coleta. Isso é muito diferente da indústria da música ou filme, onde os criadores recebem dinheiro de cada cópia vendida”.

Então por que qualquer pesquisador que se preze entregaria os direitos autorais de seu trabalho duro para uma organização que vai lucrar com sua obra, tornando-a proibitivamente cara para as poucas pessoas que querem lê-la? Prestígio. A Elsevier é proprietária das chamadas revistas de “alto impacto”. Se um pesquisador quer ser reconhecido, fazer carreira, precisa ter publicações em revistas desse tipo, como a Nature.

Uma trágica ironia é o fato de que as revistas de alto impacto podem até ser menos confiáveis do que revistas menos bem classificadas, devido aos requisitos de que investigadores publiquem resultados surpreendentes, o que pode levar a uma maior incidência de fraude e práticas de pesquisa ruins.

Mas as coisas estão mudando

Os pesquisadores estão cada vez mais lutando contra o problema das editoras de acesso fechado. Financiadores de pesquisa como o Wellcome Trust estão se juntando a batalha, instituindo políticas de acesso aberto que proíbem seus pesquisadores de publicar em revistas com acesso fechado.

Mas nada disso ajuda os pesquisadores que precisam de acesso à ciência agora. Da sua parte, Alexandra não está desistindo da luta, apesar da pressão legal crescente. Ela garante que o Sci-Hub não vai parar suas atividades, e tem planos para expandir sua base de dados.

Apenas alguns dias após a liminar bloqueando o antigo domínio da Sci-Hub, o site já estava de volta online em um novo domínio acessível em todo o mundo. Ele foi atualizado para uma versão em inglês (antes existia somente em russo) e agora leva um manifesto em oposição à lei de direitos autorais.

O pássaro está fora da gaiola, e se Elsevier pensa que pode colocá-lo de volta, pode estar muito enganada. [BigThink]

5 comentários

  • Lucas Máximo Alves:

    Quem precisar de qualquer um dos artigos de minha pesquisa em Mecânica da Fratura Fractal e outras é só pegar na Academia e no Research Gate

  • Lucas Máximo Alves:

    Viva a Alexandra. Sei bem do problema. Sou cientista e já enviei artigos meus para estudantes russos que não podiam pagar por eles.

  • Renan manço:

    Percebi uma estranha semelhança entre a Apple e a Elsevier.

  • luauau:

    Viva o SciHUb e a internet. Abaixo a Elsevier, vampira da ciência. Estes e outros vampiros serão extirpados da sociedade um dia….

  • João Carlos Agostini:

    O que me deixa perplexo é o fato de uma editora ganhar rios de dinheiro sem produzir nada, apenas se apropriando dos trabalhos dos outros.

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