Misteriosas “partículas fantasmas” são finalmente detectadas colidindo com núcleos atômicos

Por , em 4.08.2017

A partir de um dispositivo não muito maior do que uma garrafa de vinho, físicos observaram pela primeira vez neutrinos colidindo fisicamente com o núcleo de um átomo.

A descoberta oferece aos físicos outra maneira de investigar essas partículas fantasmas, que poderia nos ajudar a compreender melhor alguns dos maiores mistérios do universo. Elas são facilmente encontráveis no Beco dos Neutrinos, ou “Neutrino Alley” – um corredor no porão abaixo do Spalation Neutron Source, no Oak Ridge National Laboratory, estado do Tennessee.

Grossas paredes de concreto e ferro filtram a chuva de nêutrons pesados que são produzidos no local, mas não dão conta de impedir que os pequenos neutrinos passem como efêmeros fogos de artifício.

Para os membros da COHERENT Collaboration, que trabalham no local, esse foi o sinal perfeito para encontrar uma maneira de detectar as marcas sutis de um neutrino que bate nas partículas que compõem o núcleo de um átomo.

“Neutrinos estão entre as partículas mais misteriosas que existem”, diz o pesquisador Juan Collar, da Universidade de Chicago.

Comportamento particular

Neutrinos carecem de carga elétrica, ou seja, eles simplesmente ignoram os campos eletromagnéticos que regem os comportamentos de partículas como os elétrons e prótons.

Produzidos a partir de colisões de alta energia e viajando próximos à velocidade da luz, eles podem atravessar amplas distâncias sem se incomodar muito com manter-se na mesma direção. Isso torna sua captura muito valiosa se quisermos saber mais sobre os confins mais distantes do nosso Universo. Isso, é claro, se capturá-los já não fosse um grande problema. “Nós ignoramos muitas coisas sobre eles. Sabemos que eles têm massa, mas não exatamente o quanto”, diz Collar.

Pequena quantidade de realidade

A massa é algo que praticamente todas as partículas detêm, e neste caso provavelmente o valor seja bastante pequeno. Frederick Reines, cientista premiado pelo Nobel, certa vez os chamou de “a menor quantidade de realidade jamais imaginada por um ser humano”.

Resolver as questões sobre a massa dos neutrinos pode ser importante, mas é algo difícil de ser alcançado. Caso isso possível, representaria uma conquista e tanto.
Todo neutrino existe sob um estranho estado intermediário chamado de superposição de três sabores, cada um com sua própria massa. Existe um possível quarto sabor que é ainda mais difícil de detectar. Este, se encontrado, pode ser muito mais pesado do que seus primos.

Saber o que são essas massas pode fornecer uma pista sobre como as quatro forças fundamentais da gravidade, o eletromagnetismo e as forças nucleares fraca e forte se relacionam entre si.

Como detectar neutrinos?

A maioria das maneiras de detectar neutrinos se apoia em algum trabalho inteligente de investigação.

Por exemplo, os neutrinos podem ser capturados por átomos, que então se desintegram em outro elemento. Este método radioquímico é útil para detectar neutrinos de baixa energia, mas leva várias semanas, de modo que não pode revelar muito sobre o tempo ou a direção das emissões de neutrinos.

Outros métodos têm seus próprios prós e contras. Alguns são capazes de rastrear a direção, mas revelam poucas informações sobre a natureza da partícula. Outros exigem grandes instalações e tecnologia complexa.

Até agora, os pesquisadores não descobriram uma forma de detectar o fenômeno chamado de dispersão coerente de neutrinos.

A interação foi prontamente prevista há pouco menos de meio século, mas, devido à natureza tímida do neutrino, foi difícil demonstrar a teoria experimentalmente.

Propriedades

Em 1974, um físico do laboratório Fermilab chamado Daniel Freedman previu que os neutrinos poderiam penetrar fisicamente no núcleo de um átomo e fazê-lo recuar.

Ele tinha pouca esperança de que seja possível medir essa ondulação, afirmando: “Nossa sugestão pode ser um ato de arrogância, porque as restrições inevitáveis de taxa de interação, resolução e fundo levantam graves dificuldades experimentais”.

Algumas dessas dificuldades experimentais já foram superadas graças à combinação adequada de fonte de neutrinos com a correta escolha de material para atuar como um detector.

“Com um tipo de detector de neutrinos mais sofisticado, mas sem o tipo certo de fonte de neutrinos, não seria possível medir esse processo”, disse Collar.
Os neutrinos estudados se originam na região do Spalation Neutron Source. Quanto ao detector, a equipe de pesquisa desenvolveu um cristal de iodeto de césio dopado com sódio.

Conseguir essa detecção precisa foi crucial. Por um lado, ter um núcleo menor tornaria mais fácil obter um recuo da colisão. Mas também faz alvos menores.

“Imagine que seus neutrinos sejam bolas de ping-pong que atacam uma bola de boliche. Eles vão transmitir apenas um pequeno impulso extra para esta bola de boliche”, disse Collar.

Simplicidade relativa

Uma vantagem deste método é a sua simplicidade relativa – não há necessidade de tanques, bancos de refrigeração ou painéis de fiação. O detector pesa apenas 14,5 quilos (32 libras) e tem aproximadamente o mesmo tamanho e a mesma forma de uma garrafa de vinho grande e pesada.

Ter um detector tão pequeno faz com que seja mais conveniente localizá-lo em torno de outras fontes, como as usinas de energia nuclear.

Experimentos futuros usando este novo método poderiam fornecer novas ideias sobre como os neutrinos interagem com outras partículas subatômicas, como os quarks que compõem os prótons e os nêutrons de um núcleo. Eles também poderiam lançar alguma luz sobre a matéria escura, que constitui aproximadamente 85% de toda a massa do Universo.

Neutrinos são certamente escuros, pelo menos até onde vão as interações eletromagnéticas, então detectá-los poderia fornecer melhores maneiras de encontrar candidatos sólidos que se encaixem no perfil de matéria escura.

Se quisermos separar as menores e mais fantasmagóricas características do universo, certamente precisaremos de mais ferramentas incríveis como esta.

A pesquisa foi publicada na revista Science. [ScienceAlert]

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