Por que precisamos dormir em total escuridão

Por , em 9.01.2014

O quarto moderno é cheio de luzes e dispositivos eletrônicos, de monitores de computador a rádios-relógio, além, é claro, do quase onipresente smartphone vibrando e brilhando ao lado da cama. O que a ciência tem a nos dizer, no entanto, é que a exposição crônica à luz durante a noite leva a uma série de problemas de saúde.

Para entender por que a exposição crônica à luz durante a noite é tão ruim, é preciso considerar a evolução humana. Antes do fim da Idade da Pedra, os seres humanos só eram expostos a dois tipos diferentes de luz natural, responsáveis pela regulação do ritmo circadiano – durante o dia, tinha o sol, enquanto à noite, havia a lua e as estrelas, e talvez a luz de fogueiras. Esse padrão binário de dia/noite configurava toda a nossa programação biológica.

Hoje, temos iluminação artificial à noite (IAN). Essa iluminação interior é consideravelmente menos potente do que a luz solar, mas ainda muitas ordens de magnitude maior do que a luz das estrelas e do luar – uma diferença que influencia uma série de reações bioquímicas críticas ligadas a periodicidade de luz, incluindo a produção de cortisol e melatonina.

A melatonina, o sono e a saúde

Supressão de melatonina é chave para entender muito do porquê IAN faz mal para nós. Este composto bioquímico é produzido pela glândula pineal do cérebro durante a noite, quando está escuro, para regular o nosso ciclo de sono-vigília.

Ele reduz a pressão arterial, os níveis de glicose e a temperatura do corpo – respostas fisiológicas que são as principais responsáveis por um sono reparador.

A parte do cérebro que controla o relógio biológico é o núcleo supraquiasmático (SCN), um grupo de células no hipotálamo. Estas células respondem aos sinais claros e escuros. Os nervos ópticos em nossos olhos percebem a luz e transmitem um sinal para o SCN, dizendo ao cérebro que é hora de acordar.

Esses sinais também iniciam outros processos, como o aumento da temperatura corporal e a produção de hormônios como o cortisol (o do estresse). Os nossos níveis de cortisol são relativamente baixos durante a noite, permitindo-nos dormir, e mais elevados durante o dia, permitindo a estabilização dos níveis de energia e a modulação da função imunológica.

IAN eleva os níveis de cortisol à noite, o que perturba o sono e apresenta uma série de problemas relacionados com os níveis de gordura corporal, resistência à insulina e inflamação sistêmica. Também contribui para um sono ruim e uma interrupção da neuroregulação do apetite.

Quando os quartos ficam totalmente escuros à noite, nenhum sinal óptico é enviado para o SCN, de forma que os nossos corpos produzem a melatonina necessária. A exposição à luz ambiente durante as horas normais de sono suprime os níveis de melatonina em mais de 50%.

E, só para aumentar os problemas, muitos dispositivos modernos emitem luz azul de LEDs, que é especialmente eficaz na supressão de melatonina. Isto porque melanopsina – um fotopigmento encontrado em células especializadas da retina envolvidas na regulação dos ritmos circadianos – é mais sensível à luz azul.

Mais problemas do que você pensa

Recentemente, cientistas alertaram estudantes universitários sobre o impacto da luz de monitores de computador sobre os níveis de melatonina. Eles descobriram que a luz do computador à noite reduz os níveis de melatonina, atrapalhando o sono. Em um estudo relacionado sobre tablets, pesquisadores disseram que é importante reconhecer que o uso de dispositivos eletrônicos antes de dormir pode romper com o sono, mesmo que a melatonina não seja suprimida – a atividade pode deixar as pessoas alertas ou estímulos estressantes podem levar à interrupção do sono.

Essa perturbação bioquímica também cria efeitos físicos, como doenças. Cientistas não sabem direito por quê, mas estudos mostram consistentemente uma correlação entre IAN e câncer. Por exemplo, um estudo de 10 anos descobriu que um grupo de mais de 1.670 mulheres expostas a uma maior intensidade de luz em seu ambiente de dormir tinham chances 22% maiores de desenvolver câncer de mama. Os pesquisadores culparam o rompimento hormonal causado pela supressão de melatonina. Perturbadoramente, isso tem implicações sombrias para trabalhadores noturnos. Estudos têm mostrado que enfermeiras com turnos à noite estão em maior risco para câncer de mama.

A luz durante a noite não precisa sequer ser brilhante para causar problemas. A exposição crônica à luz fraca já é capaz de levar a sintomas de depressão. Hamsters, por exemplo, exibiram menos interesse em beber a água com açúcar que normalmente adoram quando expostos à luz fraca à noite. Quando retornaram a uma programação normal, a depressão foi revertida.

Outro estudo, também com roedores, mostrou que a luz azul à noite, em particular, é especialmente poderosa em induzir depressão e ansiedade. IAN também pode prejudicar o humor e a aprendizagem, mais uma vez provavelmente por causa de neurônios expressando melanopsina.

A melatonina ainda tem propriedades antioxidantes, que desempenham um papel importante no antienvelhecimento.

Outros estudos ainda mostram uma ligação entre a supressão de melatonina e doença cardiovascular.

Como se não bastasse tudo isso, luz à noite também contribui para o ganho de peso, mudando o tempo da nossa ingestão de alimentos. Ratos, quando expostos a IAN, ganham mais peso – apesar de se exercitarem e comerem tanto quanto seus irmãos que dormem na escuridão.

Os cientistas também correlacionaram níveis baixos de melatonina à diabetes, embora não saibam o papel da IAN na doença.

A conclusão é bastante óbvia: precisamos manter nossos quartos os mais escuros possíveis à noite, e evitar luz azul antes de dormir. Para isso, temos que desligar todos os gadgets emissores de luz e fechar as cortinas. E, se possível, nos abster de usar computador, tablet ou smartphone nas horas que antecedem o sono. Eu sei, mais fácil falar do que fazer. [io9]

12 comentários

  • Rosy Mendes:

    Eu sou nictofóbica, não posso dormir em lugares muito escuros porque entro em pânico. O que eu faço?

    • Marcelo Ribeiro:

      Psicólogo ou psiquiatra. Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) ou terapia da superexposição.

    • Estéfano Cerqueira:

      Abajour com luz incandescente com vidro pintado de laranja, mais fraca possível.

  • Cláudio Sampaio:

    Por que vocês nunca colocam os links dos artigos científicos relacionados ao que dizem? Só vi links pra outros artigos do próprio hypescience e do io9.com, nenhum periódico e nem mesmo uma citação em formato buscável. Isso seria o mínimo espero de um jornalismo científico.

  • Armando Ciccone:

    Assistir TV até tarde, e como muitos fazem, usando-a para ficar cansado e apagar, pelo visto é péssimo negócio.

    • Carlos Henrique:

      Não somente pela absorção da luz, mas também pelo conteúdo. As noticias ruins antes de dormir podem induzir ao estado de melancolia.

  • Afonso:

    Eu já tenho, desde sempre, o hábito de dormir na mais completa escuridão, talvez porque com 55 anos esteja historicamente mais próximo do homem medieval do que meus filhos.
    Difícil é convencer os filhos a adotarem esta mesma prática.
    A internet é um vício tão difícil de ser vencido que supera a necessidade do sono. Quase sempre eles acabam dormindo com o PC ligado.
    Em prol da saúde pública e como demonstração de responsabilidade social, os sites e redes sociais deviam criar mecanismos eletrônicos que disparassem alertas a partir de uma determinada hora da noite, avisando que antes de dormir o PC deve ser desligado.
    Fica aqui a sugestão.
    É provável que os adolescentes deem mais ouvidos a ela do que ao que dizem seus pais. É assim desde sempre…

    • Beto Caldas:

      ao invés de tentar acabar com a internet de todo mundo, pesquise por CONTROLE DOS PAIS.

  • Julian Debortoli:

    Isso tudo porque o nosso corpo evolui de acordo com as condições que tinham naquela época. Agora temos que nos adaptar e evoluirmos de acordo com a vida moderna. Certo?

    • Marcelo Ribeiro:

      Você está pensando na idéia lamarckiana de evolução que comprovadamente está errada, sabemos faz um século. Se não respeitar seu corpo terá que sofrer as consequências. Meu filho de 7 anos entendeu quando falei para ele deste artigo e hoje mesmo passou a dormir no escuro, sem a luz do corredor acesa.

  • Antonio Santana de Alcantara:

    po ate o radio relogio????

  • Nuno Correia:

    A conclusão é bastante óbvia: precisamos manter nossos quartos os mais escuros possíveis à noite, e evitar luz azul antes de dormir. Para isso, temos que desligar todos os gadgets emissores de luz e fechar as cortinas. E, se possível, nos abster de usar computador, tablet ou smartphone nas horas que antecedem o sono. Eu sei, mais fácil falar do que fazer.

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