A vida na Terra pode ter nascido no caos dos relâmpagos vulcânicos

Por , em 10.02.2024

A teoria de que os relâmpagos tumultuosos na atmosfera poderiam ter um papel crucial na liberação de elementos como o fósforo, tornando-os acessíveis para as primeiras formas de vida na Terra primitiva, tem ganhado força.

Pesquisas científicas recentes revelaram evidências geológicas que indicam que as descargas elétricas decorrentes de fenômenos vulcânicos poderiam ter contribuído para o processo de fixação do nitrogênio, tornando-o utilizável para funções biológicas.

Levando em conta que a Terra em sua juventude era presumivelmente mais ativa do ponto de vista vulcânico, esses achados sugerem que uma atividade vulcânica intensa poderia ser um fator determinante no desenvolvimento da vida como a conhecemos.

“Uma equipe liderada pela geocientista Adeline Aroskay, da Universidade Sorbonne, relatou, pela primeira vez, quantidades substanciais de nitrato em resíduos de erupções vulcânicas explosivas de grande magnitude”, informa o grupo.

Esses estudos apontam que essas descobertas fornecem suporte geológico para um papel especial desempenhado pelas erupções vulcânicas explosivas terrestres em processos que demandam alta energia, essenciais na provisão de componentes fundamentais para a vida durante suas etapas iniciais na Terra.

Nos tempos remotos e tumultuados da Terra, diversos processos planetários transformaram uma mistura de elementos em componentes necessários para o início da vida. O nitrogênio é um desses elementos essenciais, imprescindível para a formação de proteínas, aminoácidos e ácidos nucleicos.

O nitrogênio é abundante na Terra, constituindo aproximadamente 78% da atmosfera. No entanto, na sua forma atmosférica de nitrogênio molecular, ou N2, ele é inacessível biologicamente. Os átomos de nitrogênio precisam ser separados e combinados com outros átomos para formar substâncias mais reativas, como nitratos ou amônia.

Atualmente, a vida facilita esse processo por meios biológicos, como a atividade microbiana nas raízes das plantas, e métodos industriais humanos também contribuem, produzindo amônia em grandes quantidades.

Contudo, antes da existência da vida, um método não biológico era necessário para iniciar a fixação do nitrogênio. Aqui, a eletricidade, especificamente os relâmpagos, assume um papel relevante. Descargas elétricas são capazes de fixar nitrogênio, como já era sabido desde 1784.

A frequência com que os relâmpagos ocorrem durante as erupções vulcânicas, provocados pelas imensas nuvens de cinzas, levou os cientistas a hipotetizar que o relâmpago vulcânico poderia ter desencadeado o ciclo do nitrogênio antes do surgimento da vida.

Embora estudos experimentais tenham indicado essa possibilidade, a evidência geológica de nitrogênio fixado por esse processo era escassa.

Aroskay e sua equipe encontraram essa evidência, na forma de nitratos dentro de depósitos vulcânicos antigos. Eles coletaram amostras de várias erupções vulcânicas na Turquia e no Peru, datadas entre 1,6 e 20 milhões de anos atrás, buscando especificamente por nitratos, o produto final da oxidação do nitrogênio.

Em todos os depósitos amostrados, eles descobriram concentrações notáveis de nitratos, formadas principalmente durante as erupções vulcânicas. Esta descoberta foi extraordinária, segundo os pesquisadores.

Eles também examinaram depósitos vulcânicos mais recentes, com idade aproximada entre 75.000 e 55.000 anos, de erupções menos explosivas, e encontraram nitratos lá também.

A ausência de uma correlação entre a idade do depósito e a concentração de nitratos levou os pesquisadores a concluir que a deposição desses compostos acontece de maneira abrupta, e não gradualmente ao longo do tempo.

Os níveis de enxofre e cloro nesses depósitos também corroboraram sua origem vulcânica. Isso sugere coletivamente que o relâmpago vulcânico poderia fixar nitrogênio em quantidades significativas, influenciando o surgimento da vida.

Essa descoberta também pode alterar a interpretação de outros depósitos de nitratos ao redor do mundo. Por exemplo, no deserto de Atacama, a presença de nitratos era previamente atribuída à deposição atmosférica, pois acreditava-se que as proporções de isótopos de oxigênio não seriam possíveis com a deposição vulcânica. As descobertas da equipe demonstram que essas proporções são possíveis em eventos explosivos de grande magnitude.

“A descoberta de nitratos em depósitos vulcânicos os marca como a primeira evidência geológica e arquivo geológico de fixação de nitrogênio por relâmpago vulcânico, podendo ter implicações significativas”, escrevem os pesquisadores.

Eles estimam que, em média, cerca de 60 teragramas de nitrogênio podem ser fixados durante um evento explosivo de grande magnitude. Suas descobertas sugerem um papel único que as erupções vulcânicas explosivas terrestres podem ter desempenhado no fornecimento de ingredientes essenciais para a origem da vida na Terra. [Live Science]

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