Como os delírios influenciam nossa visão do mundo

Por , em 4.09.2013

O mecanismo utilizado pelo cérebro para criar e manter ilusões foi revelado em um novo estudo.

Tudo que acreditamos advém da percepção do que acontece ao nosso redor, mas a nova pesquisa sugere que os delírios – ou seja, crenças infundadas, mas que fazem sentido na cabeça da pessoa – podem realmente moldar nossa percepção.

Em outras palavras, as pessoas propensas à formação de delírios não são capazes de distinguir corretamente entre os diferentes estímulos sensoriais. O estudo constata que elas acabam confiando nessas ilusões para ajudar a dar sentido ao mundo.

“Nossos resultados podem não só contribuir para a compreensão dos transtornos psicóticos, mas ajudar a elucidar os princípios gerais de crenças e percepções”, conta a pesquisadora Katharina Schmack, professora de psiquiatria da Charité – Universitäts Medizin de Berlim, na Alemanha.

As ilusões típicas não dizem respeito apenas a pessoas com problemas psicóticos e incluem pensamentos paranoicos ou até mesmo ideias exageradas sobre si mesmo.

“As nossas crenças se formam a fim de minimizar a nossa surpresa sobre o mundo”, explica o neurocientista Phil Corlett, da Universidade de Yale, no estado de Connecticut, EUA, que não esteve envolvido no estudo. “Nossas expectativas substituem o que realmente vemos”, acrescenta.

O pensamento predominante considera que as pessoas desenvolvem delírios como forma de prever como se darão os acontecimentos futuros em suas vidas. O procedimento é similar ao dos cães de Pavlov, experimento do médico russo Ivan Pavlov, que condicionou o comportamento de diversos cachorros, que aprenderam a prever que o som de um sino tocando significava que em breve vira comida. “Os seres humanos atualizam suas crenças quando o que eles preveem não coincide com suas experiências reais”, diz Corlett.

Os delírios, no entanto, por muitas vezes parecem ignorar a evidência dos sentidos. Para testar essa ideia, Schmack e seus colegas conduziram experimentos comportamentais e de neuroimagem em pessoas saudáveis, mas que eventualmente têm ilusões.

Em um experimento, os voluntários receberam um questionário desenvolvido para medir as crenças delirantes. Dentre as perguntas, encontravam-se questões como: “Você já se sentiu como se as pessoas estivessem lendo sua mente?”, “Você já se sentiu como se houvesse uma conspiração contra você?”, “Você já se sentiu como se você fosse destinado a ser ou realmente fosse alguém muito importante?”, “Muitas vezes você se preocupa que seu parceiro pode ser infiel?”.

Os participantes, na sequência, realizaram uma tarefa para testar a percepção visual deles. Eles visualizaram um conjunto, em forma de esfera, de pontos que rodavam em um sentido ambíguo. Os voluntários deveriam informar que direção os pontos estavam girando em determinados momentos.

No final, descobriu-se que as pessoas que possuíam um número maior de crenças delirantes (ou seja, aqueles que apresentaram maior pontuação no questionário) viram os pontos mudarem de direção mais frequentemente do que os demais participantes. O resultado confirma as conclusões de estudos anteriores, de que os indivíduos que frequentemente têm delírios possuem percepções menos estáveis sobre a realidade que as cerca.

Em um segundo experimento, os voluntários receberam óculos, que segundo os pesquisadores distorceriam sua visão e fariam parecer que os pontos rotacionavam em uma direção mais frequentemente do que na outra – uma ilusão, porque na verdade eram apenas óculos comuns. Os participantes realizaram, com os óculos, uma tarefa de observação dos pontos, similar ao primeiro experimento, além de uma fase de aprendizagem e uma fase de testes. Durante a fase de aprendizagem, os pontos rodavam claramente mais em uma direção, mas durante a fase de teste, a direção era ambígua.

Enquanto utilizavam os óculos, os voluntários relataram terem visto os pontos girarem em sentidos difusos, mesmo durante a fase de teste. Eles se agarraram à ilusão de que os óculos alteraram sua visão, embora a evidência visual contradissesse esta ideia, sugerindo que eles usassem suas crenças delirantes para interpretar o que estavam vendo.

Uma terceira experiência foi realizada de maneira semelhante à segunda. A diferença ficou por conta dos exames cerebrais, feitos por meio de ressonância magnética nesse terceiro teste. Os exames mostraram que, quando as pessoas foram iludidas sobre o sentido de rotação dos pontos, seus cérebros codificaram a ilusão como se eles tivessem realmente visto os pontos se moverem desse jeito. Em outras palavras, as pessoas não estavam simplesmente ignorando o que viram, pois estavam realmente vendo a rotação dos pontos baseadas na ilusão dos óculos.

Além disso, a análise do cérebro revelou as conexões existentes entre a área do cérebro envolvida nas crenças, o córtex órbito-frontal, e a região responsável pelo processamento visual, o córtex visual. Ambas se tornaram ativas durante as observações delirantes.

Corlett se mostra animado diante dos resultados encontrados. “O estudo nos dá uma boa explicação para a relação entre a crença e a percepção”, conta. No entanto, ele advertiu que tirar conclusões dessa pesquisa e usá-las para pessoas clinicamente delirante, como aquelas com esquizofrenia, pode ser prematuro. “Apenas o tempo nos dirá se os mesmos mecanismos do cérebro também estão envolvidos no caso desses pacientes”, considera. [Live Science]

1 comentário

  • Samuel Locatelli:

    “Os seres humanos atualizam suas crenças quando o que eles preveem não coincide com suas experiências reais”. Maneira bonita de falar que as pessoas inventam novas mentiras quando as antigas já foram desmascaradas.

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