Até podemos pensar que temos uma mente consciente, mas não temos

Por , em 21.12.2018

Peter Carruthers é professor de filosofia da Universidade de Maryland (EUA), e é especialista em filosofia da mente, que se baseia fortemente em psicologia empírica e neurociência cognitiva.

Em 2017, ele publicou um artigo científico com o título “A ilusão do pensamento consciente”, e o editor do Scientific American Steve Ayan realizou uma entrevista detalhada com o filósofo para destrinchar melhor esta hipótese.

Ilusão do imediatismo


Carruthers diz que a ideia do pensamento consciente é um erro. “Eles [pensamentos conscientes] não são acessíveis na memória de funcionalidade, nem estamos diretamente ciente deles. Nós temos meramente o que eu chamo de ‘ilusão do imediatismo’, ou seja, a falsa impressão de que conhecemos diretamente nossos pensamentos”.

Esta conclusão está baseada nas duas teorias principais da consciência. A primeira é chamada de Teoria do Espaço de Trabalho Global, proposto por Bernard Baars e Stanislas Dehaene. Ela corresponde a uma memória de trabalho momentaneamente ativa, e subjetivamente experienciada. É o domínio interno em que nós podemos repetir números de telefone para nós mesmos ou em que podemos carregar a narrativa das nossas vidas. Normalmente inclui o discurso interno e o imaginário visual.

A segunda, proposta por Michael Graziano e David Rosenthal, diz que estados da consciência são simplesmente aqueles que você conhece, que você está ciente de um jeito que não requer que você interprete a si mesmo. Você não tem que ler a própria mente para conhecer seus pensamentos.

Por que temos a impressão de acessar nossa mente?

Carruthers explica que a ideia de que as mentes são transparentes para si mesmas está embutida na estrutura de nossa faculdade de “ler a mente” ou “teoria da mente”.

“Se alguém me diz: ‘eu quero ajudar você’, eu tenho que interpretar se a pessoa está sendo sincera, se ela está sendo irônica ou literal, e por aí vai; isso já é difícil suficiente. Se eu tivesse que interpretar se ela está interpretando o próprio estado mental corretamente, isso tornaria essa tarefa impossível. É muito mais simples acreditar que ela entende a própria mente (o que normalmente ela faz)”, exemplifica ele.

Tentar descobrir se os outros são bons auto-interpretadores tornaria tudo mais complexo e lento. E essa mesma crença existe para cada pessoa sobre si mesma. Ela vê seus pensamentos como transparentes e diretamente disponíveis para si mesma.

Consequências dessa ilusão


O preço que pagamos por esta ilusão é acreditar que temos muito mais certeza de nossas atitudes do que realmente temos. Acreditamos que estamos em um estado mental x, e que isso é a mesma coisa que realmente estar neste estado.

“Assim que eu acredito que estou com fome, eu fico com fome. Quando eu acredito que estou feliz, eu fico feliz. Mas não é bem assim. É um truque da mente que nos faz igualar o ato de pensar que se tem um pensamento com o próprio pensamento”, diz ele.

Uma solução para não cair neste truque da mente é aprender a distinguir um estado da crença neste estado. “Por exemplo: quando estou nervoso ou irritado e de repente percebo que na verdade eu estou apenas com fome e que preciso comer”.

Consciência ou inconsciência?

A consciência, segundo Carruthers, não é aquilo que acreditamos que é. Ela não é uma ciência direta do nosso mundo interno de pensamentos e julgamentos, mas um processo altamente inferencial que apenas nos dá a impressão de imediatismo.
Nós ainda temos vontade própria e somos responsáveis pelas nossas ações. A consciência e inconsciência não são esferas separadas, elas operam em conjunto.

“Nós não somos fantoches manipulados pelos nossos pensamentos inconscientes, porque obviamente uma reflexão consciente tem efeitos em nosso comportamento. No final, ser livre significa agir de acordo com as próprias razões – sejam elas conscientes ou não”, explica ele.

Afinal de contas, o que é a consciência?


Segundo o pesquisador, a consciência é de forma geral entendida como que o indivíduo não só tem uma ideia, memória ou percepção, mas que ele também sabe que ele ou ela o tem. Para a percepção, esse conhecimento abrange tanto a experiência do mundo exterior (“está chovendo”) quanto o estado interno (“estou bravo”). Os especialistas não sabem como a consciência humana surge. No entanto, eles geralmente concordam em como definir vários aspectos dela. Assim, eles distinguem “consciência fenomenal” (a sensação distintiva quando percebemos, por exemplo, que um objeto é vermelho) e “consciência de acesso” (quando podemos relatar um estado mental e usá-lo na tomada de decisão).

Características importantes da consciência incluem a subjetividade (a sensação de que o evento mental pertence a mim), a continuidade (parece ininterrupta) e a intencionalidade (ela é dirigida a um objeto). De acordo com um esquema popular de consciência conhecido como Teoria do Espaço de Trabalho Global, um estado mental ou evento é consciente se uma pessoa pode trazê-lo à mente para realizar funções como tomada de decisão ou lembrança, embora como tal acesso ocorra não é precisamente entendido.

Os investigadores supõem que a consciência não é o produto de uma única região do cérebro, mas de redes neurais maiores. Alguns teóricos chegam a afirmar que nem sequer é produto de um cérebro individual. Por exemplo, o filósofo Alva Noë, da Universidade da Califórnia, Berkeley (EUA), afirma que a consciência não é o trabalho de um único órgão, mas é mais como uma dança: um padrão de significado que emerge entre os cérebros.

Você pode conferir a entrevista de Steven Ayan na íntegra em inglês aqui.

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