Efeito raro de coagulação das primeiras vacinas contra COVID finalmente explicado — o que isso poderia significar para futuras vacinas?
Casos raros de trombose associados a algumas das primeiras vacinas contra COVID-19, que já não são utilizadas, podem ter sido causados por duas reações imunes descontroladas ocorrendo simultaneamente.
Enquanto a existência de uma dessas reações imunes já era conhecida, a segunda foi identificada em 26 de outubro na revista ‘Blood’, representando uma descoberta inédita.
Este achado poderia fornecer informações importantes sobre o desenvolvimento de outras doenças de coagulação, conduzindo a tratamentos aprimorados e métodos para aumentar a segurança das vacinas para pessoas suscetíveis a esta complicação.
“Entender o mecanismo pelo qual um medicamento produz uma reação adversa nos permite criar estratégias para aumentar a segurança desses tratamentos”, afirmou Ishac Nazy, professor associado de medicina na Universidade McMaster, no Canadá. Nazy, que estuda o distúrbio de coagulação relacionado à vacina, mas não participou deste estudo, destacou a importância de compreender eventos adversos induzidos por medicamentos.
Efeito Adverso Raro
O distúrbio de coagulação associado às vacinas, conhecido como trombocitopenia trombótica imune induzida por vacina (VITT), era raro e associado às vacinas COVID-19 da Johnson & Johnson (J&J) e AstraZeneca. Essas vacinas usavam adenovírus modificados, incapazes de infectar células, para transportar instruções de DNA para uma parte do vírus SARS-CoV-2 para o corpo.
VITT surgiu como um efeito adverso preocupante do que muitos profissionais de saúde pública consideravam uma tecnologia promissora. Ao contrário das vacinas COVID-19 da Moderna e Pfizer-BioNTech, que continham RNA, as vacinas J&J e AstraZeneca não necessitavam de armazenamento em temperaturas extremamente baixas, tornando-as mais viáveis em regiões com capacidade limitada de armazenamento a frio. Embora as vacinas baseadas em adenovírus tenham sido exploradas para várias doenças, apenas algumas, como uma vacina contra Ebola aprovada na China e outra na União Europeia, receberam aprovação, e estas são usadas apenas em indivíduos em risco.
Pouco depois da introdução das vacinas J&J e AstraZeneca, médicos observaram casos de coagulação semelhantes a um distúrbio conhecido como trombocitopenia induzida por heparina (HIT). Cerca de duas a três décadas atrás, HIT afetou cerca de 3,5% dos pacientes submetidos a cirurgias de joelho ou quadril, conforme relatado pelo Dr. Andreas Greinacher, especialista em distúrbios de coagulação no Hospital Universitário de Greifswald, na Alemanha, que não participou da pesquisa recente. Nestes pacientes, a heparina, um anticoagulante normalmente usado para prevenir coágulos sanguíneos, paradoxalmente causava coagulação excessiva.
As vacinas COVID baseadas em adenovírus induziram uma condição semelhante ao HIT, embora tenha sido dado um novo acrônimo refletindo sua causa diferente. Estudos indicaram que cerca de 1 em 50.000 pessoas com menos de 50 anos que receberam essas vacinas experimentaram essa condição, assim como cerca de 1 em 100.000 pessoas com 50 anos ou mais.
Atualmente, nenhuma das vacinas é administrada nos EUA (a vacina AstraZeneca nunca foi usada lá, e a vacina J&J foi descontinuada devido a preocupações com coagulação e a disponibilidade de vacinas mais eficazes). No entanto, entender os gatilhos de VITT continua sendo valioso.
HIT agora é raro porque suas causas são compreendidas, permitindo que médicos prescrevam variantes mais seguras de heparina, explicou Greinacher à Live Science. Da mesma forma, explorar os mecanismos por trás de HIT e VITT poderia aumentar a segurança das vacinas de adenovírus.
“Nosso objetivo principal é identificar o componente nas vacinas que causa essa reação”, disse Greinacher. “Uma vez identificado o fator causador, tenho confiança de que biotecnologistas habilidosos podem modificar o vetor do adenovírus para eliminar esse fator.”
Desvendando VITT
Quando VITT foi observada pela primeira vez em pacientes recebendo vacinas contra COVID-19 em fevereiro de 2021, os pesquisadores rapidamente a associaram ao PF4, um sinal químico liberado pelas plaquetas.
Em casos raros após a vacinação com uma vacina baseada em adenovírus, o corpo produzia anticorpos contra o PF4. Esses anticorpos se ligariam ao PF4, formando agregados que poderiam então se ligar aos receptores Fc das plaquetas. Isso levava à ativação das plaquetas e à coagulação excessiva.
O estudo recente na ‘Blood’ descobriu que o próprio PF4 também ativa outro conjunto de receptores, levando as plaquetas a se aglomerarem, o que provavelmente contribui para a coagulação grave nesse distúrbio.
Ainda há muito a explorar, informou Nazy à Live Science, cuja equipe reportou inicialmente em 2021 como os anticorpos contra o PF4 estavam causando VITT. A pesquisa mais recente indica que existem dois mecanismos distintos relacionados ao PF4 em VITT, possivelmente operando juntos.
Neste estudo, os pesquisadores analisaram o sangue de indivíduos saudáveis e pessoas com VITT para rastrear a cascata de sinalização que leva à coagulação hiperativa. Eles descobriram que o PF4 ativa um receptor chamado c-Mpl nas plaquetas, além do mecanismo descoberto em 2021, onde complexos de PF4 e anticorpos contra o PF4 ativam os receptores Fc das plaquetas.
“Além do gatilho do anticorpo, o próprio PF4 se ligando e ativando as plaquetas fornece um duplo impacto”, disse Phillip Nicolson, professor associado de medicina cardiovascular na Universidade de Birmingham, no Reino Unido, e líder do estudo, à Live Science. “Isso pode explicar por que a coagulação ocorre em um grau prejudicial.”
Os cientistas têm algumas hipóteses sobre por que as vacinas de adenovírus podem desencadear essa resposta. PF4 tem uma carga elétrica positiva na superfície, enquanto os adenovírus são altamente carregados negativamente, sugerindo que eles podem se ligar facilmente, observou Nicolson. No entanto, como Nazy apontou, essa teoria é principalmente suportada por modelos de computador em vez de evidências físicas.
Ocasionalmente, coagulação anormal ocorre sem vacinação ou tratamento com heparina. Um artigo recente no The New England Journal of Medicine, co-autoria de Nazy, relatou que em alguns casos inexplicáveis de coagulação, o distúrbio ocorreu após infecções típicas por adenovírus. Muitas vezes, a conexão entre coagulação inexplicada e uma infecção viral passa despercebida. E ainda é um mistério por que poucas pessoas são suscetíveis a essas condições de coagulação.
“Essa é a parte que precisamos entender para prevenir a condição de ocorrer”, concluiu Nazy. [Live Science]