Manipulação genética: como os fetos desviam nutrientes das mães durante a gravidez

Por , em 15.07.2023

A herança genética estabelece uma conexão física entre nós e nossos pais biológicos. Envolve a combinação de dois conjuntos de cromossomos, resultando em um conjunto único de instruções moleculares que moldam nossas vidas.

Embora esse processo possa parecer cooperativo, ele tem implicações diferentes para cada um dos pais, transformando os cromossomos em um campo de batalha para o futuro da mãe e da prole.

Pesquisas recentes realizadas em camundongos grávidos revelaram um exemplo fascinante de manipulação genética que altera a resposta da mãe à glicose, levando a um aumento na entrega de nutrientes açucarados para o feto em desenvolvimento.

Essa manipulação, conhecida como “impressão genética”, ocorre quando uma cópia de um gene herdado é suprimida por moléculas específicas, permitindo que a outra cópia seja expressa livremente.

No estudo, os cientistas descobriram que fetos de camundongos utilizam uma cópia de um gene impresso herdado do pai para desviar nutrientes da mãe através da placenta.

“Este estudo fornece a primeira evidência direta de que um gene herdado do pai sinaliza para a mãe redirecionar nutrientes para o feto”, explica Amanda Sferruzzi-Perri, bióloga reprodutiva da Universidade de Cambridge e coautora do estudo.

Entre os genes herdados por um bebê, aqueles do pai geralmente promovem o crescimento fetal, enquanto os da mãe o limitam. Mesmo durante a gravidez, quando uma mãe nutre seu bebê, ela deve garantir sua própria sobrevivência.

“Embora a gravidez seja principalmente um processo cooperativo, há um potencial significativo de conflito entre a mãe e o bebê”, diz Miguel Constancia, epigeneticista da Universidade de Cambridge e coautor sênior do estudo.

A impressão genética, juntamente com os hormônios produzidos na placenta, acredita-se desempenhar papéis cruciais na “disputa” nutricional que ocorre durante a gravidez, acrescenta Constancia.

Os cientistas teorizaram que os fetos desenvolveram métodos astutos para atender às suas necessidades nutricionais, assim como as mães desenvolveram maneiras de preservar seu próprio bem-estar. Os pesquisadores se concentraram em um hormônio chamado fator de crescimento semelhante à insulina 1 (Igf2), observando seu impacto poderoso no crescimento fetal.

No entanto, os mecanismos exatos envolvidos ainda não estavam claros, já que a placenta, o órgão responsável pela produção e regulação do Igf2 e de outros hormônios, continua sendo pouco compreendida, conforme descrito em um artigo de revisão de 2015.

Para desvendar esses mecanismos, uma equipe liderada pelo fisiologista Jorge Lopez-Tello, da Universidade de Cambridge, realizou uma série de experimentos com animais. Eles manipularam o gene que codifica o Igf2, que apresenta semelhanças com o hormônio insulina.

Durante as fases finais da gravidez, as mães grávidas se tornam resistentes à insulina para evitar que suas células absorvam os nutrientes necessários para seus bebês. Os experimentos com camundongos revelaram que o Igf2 produzido nas células da placenta aumenta a resistência à insulina da mãe, levando a uma maior quantidade de glicose direcionada ao feto.

“Isso significa que os tecidos da mãe não absorvem a glicose, permitindo que os nutrientes permaneçam em circulação e sejam transferidos para o feto”, explica Sferruzzi-Perri.

“Até agora, não sabíamos que uma das funções do gene Igf2 é regular o sinal para a mãe alocar nutrientes para o feto”, acrescenta.

Camundongos que não possuíam uma cópia funcional do gene Igf2 do pai nas células da placenta eram menores ao nascer devido à oferta insuficiente de nutrientes por parte das mães.

Se esse mecanismo for válido, poderia fornecer uma explicação plausível para certos distúrbios de crescimento em humanos. Além disso, os pesquisadores observaram sinais precoces de diabetes e obesidade na prole desses camundongos em fases posteriores da vida.

Estudos adicionais que investiguem o papel do Igf2 no metabolismo materno durante diferentes estágios da gravidez são necessários para compreender completamente seu impacto e como ele interage com outros hormônios placentários em humanos. [ScienceAlert]

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