Nova terapia? Casa recebe alcoólatras que não pretendem parar de beber

Por , em 16.05.2011

Quem olha para o quarto de Nick Lott não consegue imaginar tudo que ele passou. Roupas em ordem dentro do armário, quarto arrumado e cama feita. Para ele, é “uma bênção” ter seu próprio lugar para manter limpo.

Seu quarto impecável contradiz o estado de sua própria vida, completamente abalada por conta do vício ao álcool. Foi isso que o trouxe para a Residência de Santo Antônio. Na parede ao lado da estante da TV, Nick mantém o controle de quantos dias está sem beber: apenas quatro.

Isso porque a Residência de Santo Antônio, localizada em Minnesota, Estados Unidos, não é uma clínica de reabilitação. Os cerca de 60 alcoólatras em estágio final que vivem na casa parcialmente financiada pelo governo estadual e mantida por instituições de caridade católicas não estão em busca da cura.

O único tipo de tratamento ao qual os moradores têm acesso são os de aconselhamento. O álcool nem é proibido – não há oferta de bebidas na casa, mas tampouco há proibição de bebidas alcoólicas na residência. Cada morador ainda recebe um cheque mensal de 89 dólares. A maior parte do dinheiro é gasto em bebida.

“Nós podemos usar essa quantia em qualquer coisa”, diz o morador Ray Spoor, que trata o assunto com naturalidade. “E eu não gasto somente com álcool, eu também uso o dinheiro com as minhas necessidades pessoais, como artigos de higiene… É, mas no final das contas, eu também uso para comprar bebida”.

A Residência de Santo Antônio argumenta que é mais seguro e mais barato manter esses 60 homens bebendo em um ambiente controlado do que nas ruas frias de Minnesota, EUA.

“Todos os nossos moradores já passaram por inúmeras tentativas de tratamento”, explica Bill Hockenberger, o diretor da residência. “Estes homens perderam seus empregos, suas esposas e suas casas devido ao álcool. Eles realmente atingiram o fundo do poço”.

Os homens são recomendados pelo município, após inúmeras internações infrutíferas em centros de desintoxicação, ou eles podem diretamente solicitar viver lá.

A Residência de Santo Antônio não é a única casa do ramo. Há outras cinco instituições semelhantes no estado de Minnesota e em 2005 foi aberta uma residência dessas em Seattle, capital do estado de Washington. Pesquisas já foram realizadas para provar que instituições como essas valem a pena de serem construídas.

Uma equipe de pesquisadores da Universidade de Washington estudou um grupo de 95 alcoólatras crônicos e sem-teto e descobriu que, em apenas um ano, eles custaram mais de 8 milhões de dólares aos contribuintes em internações, tratamentos em centro de reabilitação e prisões.

Quando o mesmo grupo passou um ano em uma residência em Seattle onde é permitido beber, a cifra caiu pela metade: o grupo custou 4 milhões de dólares em dinheiro do contribuinte.

A Residência de Santo Antônio se define como uma “opção econômica e compassiva”, que custa menos de 50 dólares por noite, em comparação com os 200 dólares que custam uma noite em uma clínica de desintoxicação.

Mas nem todos são a favor da ideia de alimentar o vício de alcoólatras crônicos com o financiamento do cidadão. “Isso significa basicamente desistir de uma doença tratável”, opina William Moyers, diretor do Centro de Tratamento de Vícios Hazelden, na área de Minneapolis.

“Nós sentimos que nunca é tarde demais. Mesmo que o alcoólatra não queira ajuda, a bebida jamais pode ser oferecida ou mesmo facilitada a uma pessoa nesta situação”, conta Moyers, autor de “Acabado: Minha história de Toxicodependência e de Redenção”. “Eu vejo em residências como a de Minnesota um modelo que permite que o dependente de álcool continue com seus padrões destrutivos”, completa.

Depois de a vodca arruinar sua carreira profissional como gerente de cozinha, Nick Lott passou a dormir debaixo de uma ponte – ou “sob as estrelas”, como ele diz. “Eu ia dormir sempre tão bêbado que para mim não fazia a menor importância”, lembra.

Há cinco anos, ele trocou a ponte pela Residência de Santo Antônio. “No início minha irmã criticou a minha decisão, mas acho que depois de algum tempo, todos da minha família perceberam que era a melhor opção para mim”, conta. “Eles preferem me ver em um lugar como este do que nas ruas”.

Nick passou por centros de desintoxicação “pelo menos cem vezes”, na maioria dos casos apenas permanecendo lá para tomar banho ou ter um lugar para dormir. Ele não gosta de falar sobre seu passado, mas assume prontamente a responsabilidade pela sua situação.

“Eu me arrependo muito das decisões que fiz. E realmente não tenho ninguém para culpar por nenhuma das minhas desgraças além de mim mesmo”, diz. “Se eu não bebesse do jeito que eu bebo, sei que as coisas poderiam ter sido muito diferentes”.

Toda primeira sexta-feira do mês, Nick recebe o seu cheque de 89 dólares e, após algumas compras no Walmart, ele gasta o resto em uma loja de bebidas. “A maioria dos 89 dólares eu gasto em bebida mesmo. Eu sei que isso deve soar horrível para vocês, contribuintes, mas é o que acontece”, relata. “Talvez isso seja tudo o que resta para mim”, lamenta-se.

Nick diz que ainda tem um resto de esperança de que pode mudar de vida. “Pessoas morrem aqui o tempo todo…”, observa. “Mas ainda há uma possibilidade de eu não ter o mesmo destino que elas, talvez algo aconteça que me puxe para cima e me obrigue a fazer mudanças no meu estilo de vida”.

Menos de um mês após esta entrevista, Nick Lott morreu, aos 52 anos – um choque para aqueles que o conheciam. Funcionários de Santo Antônio não têm detalhes sobre sua morte e a família não pôde ser contactada para comentar o assunto.

Suas palavras resumem a luta que os alcoólicos crônicos enfrentam todos os dias: “No final, você quase sente medo de parar de beber porque às vezes parece que isso é tudo que existe”. [CNN]

3 comentários

  • ANILSON TADEU MARTINS:

    Se estes caras soubessem o quanto é bom depois de se conseguir sair do vicio !

  • Roberto:

    Esta é mais uma idéia “brilhante” ou um modismo da parte de algum gênio desconhecido que, no mínimo, quer dar maus exemplos e por a perder todo um trabalho e esforços em prol daqueles que já conseguiram deixar o vício. O contato entre ambos, além de inútil, ajuda corromper, como sempre do lado errado.

    • ligodracir:

      Não acho que seja bem assim. Aqueles que já conseguiram superar o vicio, veêm nos outros o exemplo daquilo em que não se querem voltar a tornar. Não estou a dizer que aconteça em todos os casos, mas acho que seja positivo para muitos

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