7 cientistas brasileiras são laureadas pela L’Oréal pelos seus trabalhos de destaque
Cheguei ao restaurante do hotel e fui seguindo o burburinho de vozes femininas que indicavam que eu estava no caminho certo. Era uma mesa longa e intimidadora apenas com mulheres, incluindo sete das mais promissoras jovens cientistas atuantes no Brasil.
Talvez por eu ser a única presença masculina, talvez por eu estar em pé à beira da mesa, ou simplesmente porque eu estava aterrorizado todas imediatamente pararam de conversar e olharam para mim. Dei um bom dia tímido e me dirigi para a mesa da imprensa com o rosto tão vermelho quanto as hemácias correndo nas minhas veias. O almoço era um encontro informal entre a imprensa e as vencedoras do prêmio Para Mulheres na Ciência da L’Oréal em parceria com a Unesco e a Academia Brasileira de Ciências.
“O mundo precisa de ciência e a ciência precisa de mulheres”
O prêmio, já na sua décima edição, escolheu sete jovens pesquisadoras atuantes em diversas áreas e as contemplou com uma bolsa-auxílio de vinte mil dólares cada. O objetivo é valorizar o papel feminino na ciência brasileira e estimular mais meninas a seguirem este caminho para aumentar o equilíbrio de gênero na investigação científica. Conheça as laureadas e seus trabalhos:
Dra. Alline Cristina de Campos: estudo de derivados da maconha no tratamento de transtornos mentais
Alline despertou curiosidade pela neurociência quando foi diagnosticada com síndrome do pânico, aos 21 anos. Hoje ela trabalha para descobrir novos medicamentos que tratem transtornos de ansiedade e depressão com menos efeitos adversos que os atuais. Ninguém quer fazer um tratamento que melhora um aspecto de sua vida, mas causa náusea, vômitos, problemas com apetite e demoram até um mês para fazer efeito.
O mais famoso componente da maconha, o THC, pode causar muita instabilidade mental. Mas não é apenas de THC que é feita a Cannabis sativa. Grande parte da planta é feita de canabidiol, uma substância que a Alline e sua equipe está descobrindo ter um efeito estabilizador para pessoas portadoras de transtornos mentais.
Apesar de não ser fácil trabalhar com uma substância tão controlada legalmente e estigmatizada socialmente Alline está convencida do seu grande potencial terapêutico no tratamento de transtornos mentais.
Dra. Elisa Orth: destruição de moléculas nocivas à saúde humana
Elisa trabalha no desenvolvimento de novas enzimas artificiais, que são catalisadores, para acelerar reações químicas de forma segura. Essas enzimas tem o potencial tanto de melhorar a qualidade de alimentos cultivados com agrotóxicos quanto serem usadas no tratamento de doenças genéticas reparando genes defeituosos.
Na terapia genética os novos catalisadores poderiam ser utilizados no tratamento do câncer, doença de Parkinson, fibrose, etc. No campo dos agrotóxicos Elisa já pode ajudar agências de controle a destruir estoques de agrotóxicos proibidos e perigosos de maneira eficaz.
No futuro talvez seja possível até mesmo criar um teste simples que qualquer pessoa possa utilizar na própria cozinha para determinar se os vegetais que vão preparar para a família contém muito agrotóxico.
Dra. Elisa Brietzke: envelhecimento celular e imunológico no transtorno bipolar
A Dra. Elisa e sua equipe estão prestes a confirmar sua descoberta de que o transtorno bipolar, que afeta entre 1 e 2% da população mundial, pode levar ao envelhecimento precoce. O estudo também tem o propósito de descobrir possíveis intervenções que retardem este processo.
Na sua pesquisa Elisa tem observado que um processo inflamatório acompanha as crises do paciente e isto parece estar ligado a um enfraquecimento do sistema imunológico e envelhecimento precoce. Um dos parâmetros utilizados para confirmar esta hipótese totalmente original é medir os telômeros dos genes de seus voluntários. O telômero mantém os cromossomos vivos e quanto mais curto, menos tempo aquela célula tem para viver.
Elisa pretende utilizar o prêmio da L’Oréal também para aumentar a quantidade de voluntários que participam do estudo, aumentando também a precisão dos resultados.
Dra. Tábita Hünemeier: investigação genética dos nativos americanos
Os nativos das Américas são dos povos menos estudados do ponto de vista genético, de acordo com Tábita. Tanto os indígenas do norte da América do Norte quanto os do Sul da América do Sul possuem muitas similaridades morfológicas como cabelos lisos, falta de barba e pelos pelo corpo, olhos amendoados, etc. Seu objetivo é desvendar as bases genéticas dessas características para descobrir o que os diferencia das populações dos outros continentes. Essas similaridades evidenciam que todos os indígenas das Américas possivelmente migraram da Ásia para em algumas ondas migratórias através do Estreito de Bering durante as eras glaciais a mais de 15 mil anos.
A pesquisadora pretende compreender melhor como ocorreu o povoamento e aspectos em relação a saúde destes povos assim como as mutações que os diferenciam do restante das populações do mundo.
Dra. Daiana Silva de Ávila: busca de um tratamento mais eficaz para a Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA)
Esclerose Lateral Amiotrófica é a mesma doença do Ice Bucket Challenge (desafio do balde de gelo) e aquela que confinou Stephen Hawking à sua cadeira de rodas.
Apesar desse mal acometer cerca de 12 mil brasileiros existe apenas um medicamento disponível que leva a muitos efeitos colaterais indesejados. Daiana investiga o potencial do carboidrato trealose associado a vitamina E para frear o avanço da ELA aumentando a qualidade de vida dos pacientes.
Seu modelo de pesquisa usa vermes Caenorhanditis elegans geneticamente modificados para desenvolverem a doença. Ao invés de testar seus compostos apenas em células individuais ela o faz em seres vivos análogos a humanos. No entanto dentro de alguns anos o objetivo é avançar para modelos em mamíferos e, mais tarde, até mesmo humanos.
Dra. Karín Menéndez-Delmestre: entendendo a evolução das galáxias
Existem mais estrelas em nossa galáxia do que grãos de areia em todas as praias da Terra. Esse fato não é apenas impressionante, mas também profundo. Cada galáxia — a maioria com centenas de bilhões de estrelas — é como um universo-ilha com sua própria história e evolução. E há centenas de bilhões de galáxias no universo.
Karín, astrofísica, está contribuindo para a formação de um modelo completo para que possamos compreender como evoluem os diferentes tipos de galáxias. Ela usa imagens de galáxias feitas por observatórios internacionais. As mais distantes são os bebês: já que sua luz pode levar 13 bilhões de anos para chegar até nós, estamos vendo-as como eram a 13 bilhões de anos atrás, muito quentes e caóticas. As mais próximas vemos como as galáxias maduras que são, a poucos milhares de anos-luz de distância. Ao criar uma cronologia dos diversos tipos de galáxias é possível contar a história de sua evolução e observar como mudam ao longo da história do universo.
Dra. Cecília Salgado: geometria algébrica e a teoria dos números
Cecília ama a ciência e, segundo ela, poderia estar trabalhando em qualquer área da descoberta. No entanto escolheu a matemática que é “uma mistura de arte e ciência”. Quando a questionei se a matemática seria uma realidade natural ou uma construção do cérebro humano ela me respondeu que é ambos. A matemática não é considerada uma ciência por todos, no entanto ela permite tanto criação quanto descoberta, de acordo com Cecília.
Seu interesse é por matemática pura, no entanto seus estudos poderiam ser utilizados na correção de erros na telecomunicação e gravação de dados.