Raios-N: radiação imaginária ajudou a ciência, mas acabou com seu “descobridor”

No inverno de 1903, apenas oito anos após a descoberta monumental dos raios-X, um cientista francês com o nome de René Blondlot se deparou com mais uma nova forma de radiação, que ele chamou de raios-N em homenagem à sua cidade natal, Nancy.
Durante a descoberta, Blondlot estava fazendo experiências com raios-X para ver se eles eram de fato ondas, ou uma corrente de partículas.
O cientista disparou raios-X através de um campo elétrico carregado esperando que se fossem ondas, o campo mudaria seu caminho e iluminaria uma faísca elétrica dentro do detector – o que aconteceu.
Em seguida, ele disparou raios-X através de um prisma de quartzo, que em experimentos anteriores já havia sido demonstrado que não reflete essa radiação. O problema é que, com o canto do olho, Blondlot notou que a faísca elétrica no detector ficou mais brilhante, apesar de tecnicamente isso ser impossível.
Então, Blondlot saltou para a conclusão de que havia descoberto algo completamente diferente: raios-N. Esse salto causou, mais para frente, o fim de sua reputação.
No início, no entanto, sua descoberta causou sensação. Na época, a comunidade científica estava em êxtase. Conhecíamos os raios-X há menos de uma década, e a descoberta das ondas de rádio e dos raios gama vieram logo em seguida. A “descoberta” dos raios-N não parecia, assim, muito diferente das outras.
Raios-N eram um mistério científico
Essa forma de radiação era curiosa: ela passava direto através de materiais que bloqueavam a luz visível, como madeira, alumínio, papel preto. Por outro lado, alguns materiais pelos quais a luz visível podia passar, como água e sal, se provaram impenetráveis aos raios-N. A comunidade científica tinha um mistério nas suas mãos.
Desde a descoberta inicial, Blondlot fez experimentações mais complexas. Ele passou a usar telas fosforescentes que iluminavam, porém fracamente, quando bombardeadas com raios-N.
O cientista insistiu que os pesquisadores interessados em replicar o experimento seguissem seus procedimentos detalhe a detalhe, se fechando em uma sala escura e permitindo que seus olhos se aclimatassem por meia hora – as pessoas não podiam nem sequer se atrever a olhar para as telas diretamente. Era preciso olhá-las com o canto dos olhos.
Alguns observadores conseguiram replicar o experimento, mas outros não viram absolutamente nada. Para tornar as coisas mais fáceis, Blondlot afirmou que quando os raios-N bombardeavam telas fosforescentes que haviam sido expostas à luz, o brilho fosforescente aumentava de uma forma muito marcante.
Se essas experiências estão soando bastante subjetivas para você, é porque eram. Muitos cientistas (exceto os franceses) não ficaram convencidos pelos resultados.
Assim, os céticos enviaram um físico muito crítico chamado Robert W. Wood para ver uma demonstração dos raios-N iluminando tinta em uma tela – o que, é claro, ele não conseguiu perceber.
Verdadeiro método científico em ação
Wood resolveu elaborar um teste próprio: “Eu perguntei [a Blondlot] se eu poderia mover uma tela de chumbo opaco para dentro e para fora do caminho dos raios enquanto ele apontava quais eram as flutuações na tela”, o cientista escreveu em sua biografia, em 1941. “Ele errou quase 100% do tempo e disse ter visto flutuações quando eu não tinha feito nenhum movimento”.
Em seguida, Blondlot demonstrou um espectroscópio de raios-N, que usava um prisma de alumínio para dividir os raios em comprimentos de onda distintos e mensuráveis. Em um quarto escuro, Blondlot leu as medidas do espectroscópio. Quando Wood pediu-lhe para repetir os números uma segunda vez antes de chegar ao espectroscópio e remover o prisma, e Blondlot leu os exatos mesmos números. Isso foi problemático tanto para a experiência quanto para a carreira de Blondlot.
Conclusão: ver as coisas com o canto dos olhos não é ver as coisas – é imaginar coisas. Moral da história: desconfie de homens que te impedem de olhar para algo diretamente. A visão periférica garante todos os tipos de erro.
Quando Wood relatou o caso na revista científica Nature, a carreira de Blondlot foi arruinada. Seus amigos contaram que o choque o deixou louco. Ele aposentou-se três anos após a divulgação de Wood, e praticamente desapareceu da comunidade científica.
Foi uma vergonha, com certeza, mas também foi um dos triunfos mais conspícuos da história do método científico: experiências exigem replicação. Se só você é capaz de detectar uma coisa, provavelmente ela está na sua cabeça. [Wired]
2 comentários
Em alguns casos o fenômeno existe e é natural, mas o seu “descobridor” e seus adeptos juram que se trata de outra coisa. É o caso da Fotografia Kirlian (que supostamente fotografa a aura da pessoa, mas na verdade registra descargas coronais).
http://a.ciencia.vc/1htsaJI
http://a.ciencia.vc/1l02rtz
O método científico é deveras bastante útil!