A pergunta de um milhão de dólares não é mais apenas para matemáticos

Por , em 19.04.2017

Os números primos, os “átomos indivisíveis” da aritmética, parecem ser espalhados ao acaso ao longo da linha de números, começando com 2, 3, 5, 7, 11, 13, 17 e continuando sem padrão ao infinito.

Só parecem, no entanto. Em 1859, o grande matemático alemão Bernhard Riemann levantou a hipótese de que o espaçamento dos primos segue uma lógica, uma teoria conhecida como zeros não triviais da função zeta de Riemann.

Problema difícil

A função zeta de Riemann tem componentes “reais” e “imaginários”. Para certas entradas de valor complexo, a função retorna uma saída de zero; essas entradas são os “zeros não triviais” da função zeta.

Riemann descobriu uma fórmula para calcular um certo de número de primos e as flutuações em seu espaçamento típico. Entretanto, a fórmula somente pode ser considerada válida se os zeros da função zeta satisfizerem uma certa propriedade: suas partes reais têm que igualar ½.

Riemann calculou os primeiros zeros não triviais da função, e confirmou que suas partes reais eram iguais a ½. O cálculo apoia sua hipótese de que todos os zeros têm essa propriedade e, portanto, que o espaçamento de todos os números primos segue sua função.

Porém, o próprio Riemann admitiu que uma prova rigorosa desta proposição seria desejável – algo que até agora não foi alcançado.

Zeros não triviais e mecânica quântica

Um século e meio depois, provar a hipótese de Riemann permanece sem dúvida o mais importante problema não resolvido da matemática pura – um cuja solução rende um prêmio de US$ 1 milhão do Instituto Clay de Matemática.

Como os matemáticos já atacaram a hipótese de todos os ângulos, o problema agora migrou para a física. Desde a década de 1940, surgiram sugestões intrigantes de uma conexão entre os zeros triviais da função zeta e a mecânica quântica.

Por exemplo, os pesquisadores descobriram que o espaçamento dos zeros exibe o mesmo padrão estatístico que os espectros de níveis de energia atômica. Em 1999, os físicos matemáticos Michael Berry e Jonathan Keating, construindo sobre uma conjectura anterior de David Hilbert e George Pólya, indicaram que existe um sistema quântico (isto é, um sistema com uma posição e um momento que estão relacionados pelo princípio de incerteza de Heisenberg) cujos níveis de energia correspondem exatamente aos zeros não triviais da função zeta de Riemann.

Cada um destes níveis de energia, En, corresponde a um zero da fórmula “Zn = ½ + iEn”, que tem uma parte real igual a ½ e uma parte imaginária formada pela multiplicação de En pelo número imaginário i.

O sistema quântico de um milhão de dólares

Se tal sistema quântico existisse, isso implicaria automaticamente que a hipótese de Riemann está correta.

A razão é que os níveis de energia dos sistemas quânticos são sempre números reais, uma vez que a energia é uma quantidade fisicamente mensurável. E como os En são puramente reais, eles se tornam puramente imaginários quando multiplicados por i na fórmula para os Zn correspondentes.

Como os níveis de energia são sempre reais, as partes reais dos zeros da função zeta seriam sempre ½, e a hipótese de Riemann seria, portanto, verdadeira.

O candidato

Os físicos procuram desde então um sistema quântico cujos níveis de energia correspondem aos zeros da função zeta.

Em um artigo publicado em 30 de março na revista Physical Review Letters, Carl Bender, da Universidade de Washington (EUA), Dorje Brody, da Universidade de Brunel (Inglaterra) e Markus Müller, da Universidade de Western Ontario (Canadá) propuseram um sistema que seria um bom candidato.

Normalmente, os físicos descrevem sistemas quânticos usando matrizes matemáticas altamente simétricas cujas soluções, ou “autovalores”, correspondem aos níveis de energia do sistema. As simetrias dessas matrizes geralmente garantem que os números imaginários se anulam e os autovalores sejam reais, de modo que essas matrizes fazem sentido como descrições de sistemas físicos.

Porém, Bender e Brody haviam estudado no passado matrizes que não atendem requisitos de simetria habituais, mas sim respeitam uma propriedade mais fraca chamada de simetria de paridade-tempo (ou PT). Trabalhando com Müller, o trio identificou uma matriz simétrica PT cujos autovalores correspondem aos zeros não triviais da função zeta de Riemann.

Ainda não estamos lá

O problema é que, como a matriz não segue as simetrias mais rigorosas habituais, não é garantida a existência de autovalores reais – a propriedade que asseguraria que os zeros correspondentes tenham partes reais iguais a ½.

Os pesquisadores deram vários argumentos por que os autovalores de sua matriz são provavelmente reais, mas “provavelmente” não é suficiente para provar a hipótese de Riemann.

A nova proposta é interessante, mas é necessário explorar mais detalhadamente como este sistema quântico se compara com outros que não produziram uma prova concreta.

Se os físicos algum dia conseguirem provar a função zeta, isso teria outras implicações. Um sistema quântico subjacente aos primos pode servir como um modelo simples de caos, demonstrando como o comportamento caótico pode surgir de um sistema quântico não caótico.

Mas ainda não chegamos lá. Considerando quanto tempo a hipótese de Riemann resistiu a uma prova conclusiva, é preciso ter muita cautela neste momento. [QuantaMagazine]

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