Os motivos para os ateus não serem tão racionais quanto pensam

Por , em 20.11.2018

O ateísmo, por via de regra, é associado à racionalidade. Muitos ateus afirmam que não acreditam em uma entidade superior, mas sim na ciência, como se isso fosse uma garantia de que estas pessoas pensam de forma mais racional do que aquelas que têm uma religião. Porém, a própria ciência mostra que as coisas não são bem assim.

Em um artigo publicado no site The Conversation, a professora Lois Lee, do Departamento de Estudos Religiosos da Universidade de Kent, na Inglaterra, desconstrói essa imagem e mostra como a ciência prova que ateus não são mais racionais que pessoas religiosas. “Muitos ateus pensam que o ateísmo é produto do pensamento racional. Eles usam argumentos como “eu não acredito em Deus, acredito na ciência” para explicar que a evidência e a lógica, em vez da crença e do dogma sobrenatural, sustentam o pensamento deles. Mas só porque você acredita em pesquisa científica baseada em evidências – que está sujeita a verificações e procedimentos rigorosos – não significa que sua mente funcione da mesma maneira”, afirma no texto.

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“O problema que qualquer pensador racional precisa resolver, no entanto, é que a ciência mostra cada vez mais que os ateus não são mais racionais que os teístas. De fato, os ateus são tão suscetíveis quanto qualquer pessoa a “pensar em grupo” e outras formas não-racionais de cognição. Por exemplo, pessoas religiosas e não religiosas podem acabar seguindo indivíduos carismáticos sem questioná-los”, argumenta a pesquisadora.

De pais para filhos

Ela diz que a própria crença ateísta não tem a ver com o pensamento racional, mas sim com outros fatores. “Sabemos agora, por exemplo, que filhos não religiosos de pais religiosos rejeitam suas crenças por razões que têm pouco a ver com o raciocínio intelectual. A mais recente pesquisa cognitiva mostra que o fator decisivo é aprender com o que os pais fazem e não com o que eles dizem. Então, se um pai diz que é cristão, mas perdeu o hábito de fazer as coisas que dizem que devem importar – como rezar ou ir à igreja – os filhos simplesmente não acreditam que a religião faz sentido”, aponta.

“Isso é perfeitamente racional em certo sentido, mas as crianças não estão processando isso em um nível cognitivo. Ao longo da nossa história evolutiva, os humanos muitas vezes não tinham tempo para examinar e avaliar as evidências – precisando fazer avaliações rápidas. Isso significa que as crianças, até certo ponto, apenas absorvem as informações cruciais, que nesse caso é que a crença religiosa não parece importar da maneira como os pais estão dizendo”, relaciona no texto.

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Lee afirma que mesmo crianças mais velhas e adolescentes, ainda que reflitam sobre o tema, não possuem um contato tão independente quanto pensam. “Pesquisas estão demonstrando que os pais ateus (e outros) transmitem suas crenças aos filhos de maneira semelhante aos pais religiosos – compartilhando sua cultura tanto quanto seus argumentos”, afirma a pesquisadora. Ou seja, os filhos de pais que não possuem nenhuma religião são tão influenciados quanto aqueles que são filhos de religiosos..

“Alguns pais entendem que seus filhos devem escolher suas crenças por si mesmos, mas o que eles fazem é passar (aos filhos) certas maneiras de pensar sobre religião, como a ideia de que religião é uma questão de escolha e não de verdade divina. Não é de surpreender que quase todas essas crianças – 95% – acabem “escolhendo” ser ateias”, acredita ela.

Intersecções

Mas será que ateus não são mais propensos a aceitar a ciência do que as pessoas religiosas? Lee afirma que a resposta para essa pergunta depende da crença e que, em alguns casos, ateus tendem a se afastardo conhecimento científico mais do que pessoas religiosas. “Muitos sistemas de crenças podem estar mais ou menos intimamente integrados ao conhecimento científico. Alguns sistemas de crenças são abertamente críticos em relação à ciência, enquanto outros estão extremamente preocupados em aprender e responder ao conhecimento científico. Mas essa diferença não mapeia nitidamente se você é religioso ou não. Algumas tradições protestantes, por exemplo, vêem a racionalidade ou o pensamento científico como centrais em suas vidas religiosas. Enquanto isso, uma nova geração de ateus pós-modernos destaca os limites do conhecimento humano e vê o conhecimento científico como altamente limitado, problemático até, especialmente quando se trata de questões existenciais e éticas. Esses ateus podem, por exemplo, seguir pensadores como Charles Baudelaire na visão de que o conhecimento verdadeiro é encontrado apenas na expressão artística”, relaciona no texto.

Lee aponta também que a ciência e a tecnologia em si podem às vezes ser a base do pensamento ou das crenças religiosas, ou algo parecido. “Por exemplo, a ascensão do movimento transumanista, que se centra na crença de que os humanos podem e devem transcender seu estado natural e suas limitações atuais através do uso da tecnologia, é um exemplo de como a inovação tecnológica está impulsionando o surgimento de novos movimentos que têm muito em comum com a religiosidade”, exemplifica.

Crença na ciência

O papel da ciência para muitos ateus não é exercido apenas no campo da racionalidade. Lee diz que o conhecimento científico pode fornecer as realizações filosóficas, éticas, míticas e estéticas que as crenças religiosas fazem pelos teístas. “A ciência do mundo biológico, por exemplo, é muito mais do que um tópico de curiosidade intelectual – para alguns ateus, fornece significado e conforto da mesma maneira que a crença em Deus pode fazer para os teístas. Os psicólogos mostram que a crença na ciência aumenta em face do estresse e da ansiedade existencial, assim como as crenças religiosas se intensificam para os teístas nessas situações”, compara.

Pensar em Deus faz até ateus suarem de nervoso

A estudiosa argumenta que não ser racional, porém, não precisa ser necessariamente algo ruim. “Claramente, a ideia de que ser ateu depende apenas da racionalidade está começando a parecer claramente irracional. Mas a boa notícia para todos os envolvidos é que a racionalidade é superestimada. A engenhosidade humana repousa em muito mais do que no pensamento racional. (…) A capacidade de tomar decisões rápidas, seguir nossas paixões e atuar na intuição também são qualidades humanas importantes e cruciais para o nosso sucesso”, aponta.

Lee finaliza seu texto falando sobre a importância da ciência, mas argumenta que nós, seres humanos, precisamos de um pouco de irracionalidade, independentemente do que acreditamos ou não. “É útil que tenhamos inventado algo que, ao contrário de nossas mentes, é racional e baseado em evidências: a ciência. Quando precisamos de provas adequadas, a ciência pode muitas vezes fornecer isso – desde que o tópico seja testável. Importante, a evidência científica não tende a apoiar a visão de que o ateísmo é sobre o pensamento racional e o teísmo é sobre realizações existenciais. A verdade é que os humanos não são como a ciência – nenhum de nós vive sem ações irracionais, nem sem fontes de significado e conforto existencial. Felizmente, porém, ninguém precisa”. [The Conversation]

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