Como manipular a rebeldia adolescente para o bem

Por , em 14.09.2016

Adolescentes rebeldes não são uma coisa que deixamos solta por aí. Em toda a existência, sempre houve adultos tentando controlá-los.

Mas e se a rebeldia adolescente não for algo a ser contido, e sim um poder a ser aproveitado?

Os cérebros dos adolescentes são notoriamente mais receptivos a recompensas de curto prazo e a busca de aprovação pelos semelhantes. Isso, é claro, pode levar a comportamentos de risco.

No entanto, pesquisadores e educadores estão percebendo que os jovens também são mais sensíveis às noções de justiça social e autonomia. Rebelião adolescente pode ser virtuosa, e até saudável, dependendo da situação.

Evidência número um

Um estudo publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences descobriu que os adolescentes fazem escolhas mais saudáveis se são incentivados a reimaginar o comportamento saudável como um ato de desafio.

489 alunos da oitava série foram colocados aleatoriamente em diferentes grupos. Um grupo leu o tipo de artigo que você encontraria em qualquer classe sobre saúde pública, explicando como o corpo processa os alimentos e recomendando uma dieta baixa em gordura e açúcar. Outro grupo leu um artigo expondo práticas cínicas de algumas empresas de alimentos, tais como a reformulação de comidas para torná-las mais viciantes e a rotulagem de produtos não saudáveis para fazê-los parecer mais saudáveis.

“Nós fizemos os executivos por trás do marketing de alimentos parecerem figuras de autoridade adultas controladoras, e enquadramos o fato de evitar junk food como uma forma de se rebelar contra o seu controle”, explicaram os pesquisadores, liderados por Christopher Bryan da Universidade de Chicago, e David Yeager da Universidade do Texas, ambas nos EUA.

No dia seguinte, em outra classe, os alunos foram convidados a escolher quais lanches eles queriam na expectativa de uma celebração planejada já há bastante tempo. Um padrão interessante emergiu. Os adolescentes que haviam lido o artigo da exposição escolheram menos itens de junk food do que o grupo de controle: eles foram 11% mais propensos a renunciar pelo menos um lanche como bolacha e salgadinho em favor de frutas, cenouras ou castanhas, e 7% mais propensos a escolher água em vez de refrigerante.

Isso pode parecer uma diferença pequena, mas se traduziria na perda de quase 500g de gordura corporal a cada seis a oito semanas, um triunfo de saúde pública. Claro, os pesquisadores não sabem se esta mudança de comportamento duraria mais de um dia. Para isso, vão realizar outro experimento no próximo ano, monitorando as escolhas alimentares dos adolescentes por meses depois de lerem os artigos.

Evidência número dois

De acordo com o Dr. Ronald E. Dahl, da Universidade da Califórnia em Berkeley (EUA), sua pesquisa com imagens do cérebro de adolescentes sugere que ele não é inferior ao cérebro adulto, como às vezes é assumido. Ao contrário, pode ter vantagens em navegar hierarquias sociais e se adaptar a mudanças rápidas. “Se eles estão motivados, podem mudar o seu comportamento profundamente”, disse.

Em 2000, um anúncio antitabagista foi criado nos Estados Unidos em consulta com adolescentes. O resultado final contou com um grupo de jovens acumulando 1.200 sacos em frente à sede de uma empresa de tabaco, representando o número de mortes atribuídas ao tabagismo a cada dia no país. No ato, um jovem afro-americano relatava os “pecados” da empresa em um megafone, enquanto um homem branco mais velho espreitava nervosamente a rua, do alto de seu escritório. A campanha transformou a narrativa comum das propagandas de cigarro, reformulando o tabagismo como uma forma de submissão a empresas, em vez de rebelião.

Em 2009, um estudo publicado no American Journal of Preventive Medicine estimou que a campanha como um todo (que incluiu mais do que este ato), conhecida como “Verdade”, impediu cerca de 450.000 jovens a começarem a fumar entre 2000 e 2004.

E muitas mais evidências

“Há dois imperativos adolescentes: resistir à autoridade e contribuir para a comunidade”, disse Rob Riordan, cofundador da High Tech High, uma rede de escolas da Califórnia.

Riordan descobriu que, quando os estudantes trabalham em conjunto para um objetivo comum, o impulso para resistir à autoridade diminui.

Adolescentes parecem ser particularmente sensíveis até mesmo a menor sugestão de uma missão. Em outro estudo, da qual David Yeager, da primeira pesquisa mencionada, também participou, os estudantes que tinham sido convidados a refletir sobre o propósito maior de sua aprendizagem eram mais propensos a resolver problemas de matemática e resistir à tentação de assistir a vídeos virais ou jogar Tetris. O seu autocontrole aumentou quando eles ligaram a matemática a uma causa maior. Adolescentes que deixam de comer carne como um ato de desafio exibem o mesmo tipo de tenacidade.

Alguns especialistas já perceberam isso. Por exemplo, as escolas afiliadas com a EL Education, uma rede de 150 instituições que não visa ao lucro nos EUA, já incorporaram propósito social no seu currículo, para tentar fazer bom uso desta característica dos jovens. Na Polaris Charter Academy em Chicago, alunos da sétima série que estavam estudando a Segunda Emenda americana decidiram iniciar uma campanha contra a violência armada em sua vizinhança, com um tremendo impacto na TV, além de um livro publicado e a oportunidade de apresentar seu trabalho ao prefeito.

Rebeldia: a fonte do poder

Essas experiências interessantes levantam muitas possibilidades tentadoras: o que mais os adolescentes podem ser conduzidos a fazer em nome da rebeldia? Ressentir-se de propagandas da indústria da beleza cheias de enganação regada a Photoshop? Ressentir-se da indústria dos games que faz seus jogos especialmente viciantes?

Bryan e Yeager, que estão trabalhando no estudo maior sobre dieta saudável mencionado no início deste artigo, sabem que estão navegando contra uma cultura de consumo poderosa. A maioria dos esforços de prevenção da obesidade não levam a qualquer perda de peso nos jovens, de acordo com uma meta-análise de 64 pesquisas.

Mas em breve eles irão testar se podem mudar a forma como os adolescentes veem anúncios de junk food a longo prazo – para que cada novo comercial de refrigerante gere mais indignação, ao invés de tentação. Se tiverem sucesso, uma ferramenta incrível vai ser revelada: o puro e simples ato desafiador. [NYTimes]

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