Complexo de culpa: porque largar um livro no meio é tão difícil

Por , em 13.06.2013

Você pode não estar gostando ou entendendo nada, mas vai dizer se não é extremamente agonizante abandonar um livro meio lido?

Esse exemplo, aliás, não é único. Muitos dos meus colegas dizem que assistem uma novela ou série até o fim, mesmo que esteja chata ou que não estejam mais gostando, porque “não podem largar meio” ou até mesmo porque querem saber o fim.

Ninguém quer desistir. A desistência vem com um sentimento inevitável de culpa. Mas tomar uma decisão consciente de largar um livro (ou outra atividade não terminada) pode ser na verdade bastante libertador.

Na era do e-reader, desistir de um livro nunca foi tão fácil: não é nem preciso se levantar da cadeira para pegar outro na prateleira. Mas a escolha de terminar um relacionamento com um livro prematuramente permanece estranhamente perturbadora.

“Isso vai contra a forma como fomos arquitetados”, explica Matthew Wilhelm, psicólogo clínico da Califórnia, EUA. “Há uma tendência para que percebamos objetos como ‘acabados’ ou ‘inteiros’, embora que eles possam não ser. Essa motivação é muito poderosa e ajuda a explicar a ansiedade em torno de atividades inacabadas”.

A ideia de parar no meio do caminho é estressante, mas, ainda assim, nós fazemos isso. E até mesmo nos gabamos. GoodReads, uma comunidade online de leitores, permitiu que seus 18 milhões de membros classificassem os livros iniciados mais inacabados de todos os tempos. 7.300 membros votaram, com o topo da lista ficando com “Ardil 22”, clássico do americano Joseph Heller, e livros como a série “Senhor dos Anéis” em segundo lugar.

Leitores que usam plataformas digitais abandonam livros com frequência. Sara Nelson, diretora editorial de livros e Kindle na Amazon.com, disse que acredita que os e-leitores têm a capacidade de começar e parar de ler livros dependendo de seu humor. “Então, enquanto você pode parar no meio do caminho, você também pode facilmente voltar para o livro mais tarde”, diz.

Embora as razões óbvias para abandonar livros sejam distração e tédio, o comportamento também pode ser uma reação contra o tipo de escrita, no qual a técnica supera o simples fato de contar histórias. Ou seja, livros muito densos, complicados ou difíceis de ler são mais abandonados.

Certos tipos de pessoas são mais propensas a continuar lendo algo que não estão gostando ou entendendo. Dr. Wilhelm teoriza que as pessoas competitivas, com personalidade tipo A, são mais propensas a abandonar um livro, porque elas tendem a ser motivadas por recompensas e riscos e, “se não houver consequências ou reconhecimento público, por que terminar?”.

Por outro lado, ele acredita que pessoas de personalidade mais descontraída, do tipo B, podem nem começar um livro que elas sabem que não vão terminar. O motivador mais importante para terminar um livro, segundo o Dr. Wilhelm, é pressão social – razão pela qual os clubes de livros são tão bons em conseguir que os leitores cheguem ao epílogo.

De acordo com a bibliotecária Mary Wilkes Towner, os leitores devem ter permissão para parar quando quiserem, a fim de desassociar a leitura de uma obrigação, como costumava ser na infância, em que ler era uma tarefa. “Eu descobri que as pessoas nos seus 30 anos se sentem culpadas ao largar um livro da mesma maneira que se sentiam quanto tinham que comer tudo no seu prato quando eram crianças”, conta.

Continuar a ler é uma tarefa de persistência, sem dúvida. Mas é preciso saber como se motivar. A psicóloga Meena Dasari, que atende crianças em seu consultório particular, diz que a capacidade de manter uma tarefa depende de quais sentimentos atribuímos a ela. “Se você disser: ‘Eu não sou inteligente o suficiente’, então é provável que você desista. Mas se você disser: ‘Este é apenas um livro difícil’, você é mais propenso a completá-lo”, argumenta.

A chave para terminar um livro pode ser escolher o enredo certo e a melhor hora para ler. Isso aumenta drasticamente o número de livros que as pessoas completam na vida.

Se você decide ler algo em uma época que está cheia de preocupações com o trabalho, pode estagnar ou não gostar. Já de férias, tudo pode ter um significado diferente. Por outro lado, uma jovem pode adorar a paixão de Anna Karenina, mas uma mãe mais tarde na vida pode ver a protagonista como egoísta e irresponsável.

Mas, seja o que e quando você decidir ler, o importante é se lembrar de uma coisa: você parar no meio. É só querer.[WSJ]

6 comentários

  • Helio Sandro:

    Realmente é muito difícil parar um livro pela metade, parei alguns e, sempre fico me enganando achando que vou reinicia-los, nunca assumo que parei.

  • Tiago Soares:

    Realmente é uma questão interessante esta.
    Eu penso que mesmo que não esteja a gostar muito de um livro acabo por o ler (demorando mais tempo) devido à minha personalidade. Não sou pessoa de desistir das coisas; e sempre me ensinaram que na vida iremos fazer muitas coisas que não queremos, então acabar um livro que não estamos a gostar assim tanto é só mais uma no meio de tantas.

  • Deivid Vale:

    Muitos livros na minha época de ensino médio fui obrigado a ler. Sempre terminava-os pelo fato da obrigação.
    Me sinto igualmente hoje, por isso penso duas vezes antes de começar um livro. Quando começo a leitura de um livro hoje sei que vou terminar mesmo que isso se torne uma tarefa árdua.

  • José Balan Filho Balan:

    Para mim é praticamente impossível abandonar um livro no meio. Isto só aconteceu uma vez na minha vida. O livro é “Crítica da razão pura”, de Kant.

  • D’Urso Errexis:

    Não tenho esse tipo de problema, mas meu pai zangava comigo por eu não ler prefácios e abandonar livros no meio. Ele chamava isso de “leitura hitleriana”, dizendo que era algo a ser evitado.

    Hoje leio prefácios em homenagem a ele. Depois vou ao índice dos livros científicos e pego o que necessito.

    Quanto aos livros não científicos, como dizia uma certa professora de Português, não é preciso comer todo o ovo para saber que ele está podre.

    Só não me meto a atacar a Rússia sem ler sobre o General Inverno.

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  • Alberto De Melo Moraes:

    Ardil 22, eu iniciei, parei. Mas anos depois voltei a ler. E depois de um tempo, li novamente.

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