Construa a felicidade gerenciando sua família como uma equipe de programadores

Por , em 20.03.2013

Em uma palestra TED Talks, Bruce Feiler, autor de nove livros e escritor e apresentador da minissérie Walking the Bible, do canal PBS (em português, “Andando a Bíblia”), falou sobre como é possível mudar a dinâmica da família em busca da felicidade.

[box]TED é uma organização sem fins lucrativos dedicada a “ideias que valem a pena espalhar”. Começou em 1984 como uma exposição reunindo três mundos: Tecnologia, Entretenimento e Design. Desde então, seu âmbito tem se tornado cada vez mais amplo. Além de duas conferências anuais nos EUA e no Reino Unido, a marca TED inclui palestras, projetos de tradução, um prêmio anual, etc.[/box]

Feiler sugeriu que há coisas concretas que as pessoas podem fazer para reduzir o estresse, tornar a família mais próxima, e preparar as crianças para entrarem no mundo e se tornarem independentes – que é o objetivo final dos pais.

De acordo com o escritor, os últimos 50 anos viram uma revolução no que significa ser uma família. Existem famílias de todos os tipos: com filhos adotados, com parentes casados que vivem em casas separadas, com parentes divorciados que vivem na mesma casa. Mas, apesar disso tudo, a família ficou mais forte. “8 em cada 10 [pessoas] dizem que a família que tem hoje é tão ou mais forte do que a família na qual cresceram”, diz Feiler.

No entanto, quase todos são dominados por algo chamado “caos da vida familiar”. A cada passo que seu filho(a) dá, precisa de sua ajuda e de seu apoio de uma maneira diferente. E, no ritmo atual em que vivemos hoje, é fácil para os pais simplesmente perderem o controle.

Ellen Galinsky, do Families and Work Institute (em português, “Instituto das Famílias e Trabalho”), perguntou a 1.000 crianças qual desejo sobre os seus pais elas pediriam, se ele pudesse ser concedido. Os pais previram que as crianças iriam dizer que queriam que eles passassem mais tempo com elas. No entanto, o desejo número um dos filhos era que os seus pais fossem menos cansados e menos estressados.

Nos seus anos de trabalho, Feiler tentou descobrir o que faz as famílias felizes, o que dava certo em uma dinâmica familiar. E encontrou a resposta que procurava em uma família típica americana que mora em Hidden Springs, Idaho (EUA), na qual os seis membros se reúnem regularmente justamente para “acertar os relógios da vida familiar”.

Programação de família

Os Starrs são uma família comum americana com a sua quota de problemas familiares. David é o pai e trabalha como engenheiro de software. Eleanor é a mãe e cuida de quatro filhos, com idades entre 10 a 15 anos. Um dos filhos é tutor de matemática do outro lado da cidade. Um joga lacrosse em ainda outro lado da cidade. Um tem síndrome de Asperger. Um tem transtorno do déficit de atenção com hiperatividade.

“Nós estávamos vivendo em um completo caos”, disse Eleanor.

E a solução que a família propôs foi surpreendente. Em vez de recorrer a amigos ou parentes, eles buscaram sua inspiração no trabalho de David: se voltaram para um sistema novo chamado “desenvolvimento ágil”.

Então, o que é o sistema Agile (em português, “ágil”), e por que ele pode ajudar com algo tão diferente como a família?

Em 1983, Jeff Sutherland era técnico de uma empresa financeira em New England (EUA). Ele era muito frustrado com a forma como softwares eram projetados. As empresas seguiam o “método cachoeira”, na qual executivos emitiam ordens que escorriam lentamente para os programadores abaixo, e ninguém nunca consultava os próprios programadores. 83% dos projetos falhavam.

Sutherland queria criar um sistema em que as ideias não apenas se infiltrassem para os canais mais inferiores, mas pudessem infiltrar-se de baixo para cima e serem ajustadas em tempo real também.

Ele então inventou um programa que não toma grandes projetos que levam dois anos. Seu sistema é baseado em fazer as coisas em pequenos pedaços. Nada demora mais do que duas semanas. Então, em vez dos executivos dizerem: “Vão trabalhar e voltem com uma nova rede social”, eles devem dizer: “Reúnam-se e cheguem a um novo elemento, depois o tragam de volta. Vamos falar sobre ele. Vamos adaptá-lo”. Sendo assim, obtém-se sucesso ou falha-se rapidamente.

Hoje, esse programa de desenvolvimento ágil é usado em uma centena de países.

A experiência de Feiler

David disse que quando eles trouxeram este sistema para sua casa e implantaram reuniões familiares, passaram a ter maior comunicação e menos estresse, além de fazer todos sentirem-se parte de uma equipe.

Por exemplo, na adaptação do sistema à sua casa, os Starrs criaram uma lista de verificação matutina em que cada criança deve assinalar as tarefas que lhe cabem.

Eleanor acorda, serve-se de uma xícara de café, senta-se em uma cadeira reclinável, e fica lá, conversando amigavelmente com cada um de seus filhos. Eles, um após o outro, descem as escadas, checam a lista, fazem seu próprio café da manhã, verificam a lista novamente, colocam os pratos na máquina de lavar louça, reverificam a lista, alimentam os animais de estimação ou o que quer que seja as tarefas que cada um tem e checam mais uma vez a lista, até que reúnem seus pertences e pegam seu ônibus.

Daí você, mãe ou pai, pode pensar: “Isso nunca iria funcionar na minha casa, meus filhos precisam de muito monitoramento”.

Isso é o que os Starrs também pensavam, mas estavam errados. “Você não pode subestimar o poder de fazer coisas”, disse David. “No local de trabalho, os adultos adoram. Com crianças, é o céu”.

Feiler ficou convencido, e decidiu experimentar tal dinâmica em sua família também.

“Quando minha esposa e eu adotamos essas reuniões familiares e outras técnicas para a vida das nossas filhas gêmeas, então com cinco anos, foi a maior mudança que fizemos desde que elas nasceram”, conta Feiler.

Resultado: a tal lista de verificação da manhã cortou a necessidade de gritar com as crianças no meio.

E a verdadeira mudança chegou com as reuniões familiares. Seguindo o modelo ágil, toda semana Feiler e sua esposa perguntam três coisas a suas filhas: o que funcionou bem na família durante a semana, o que não funcionou bem, e o que todos estão de acordo que terão que trabalhar mais durante a próxima semana. Todos dão sugestões e depois escolhem duas coisas para se concentrar.

“De repente, as coisas mais extraordinárias começaram a sair da boca de nossas filhas. Conforme compartilharam seus pensamentos e ideias, tivemos acesso a seus desejos mais íntimos. Mas a parte mais surpreendente foi quando começamos a falar sobre o que podíamos melhorar durante a semana à frente. A ideia-chave do sistema ágil é que as equipes essencialmente gerenciem a si mesmas, e isso funcionou com as crianças! Nossas filhas adoraram este processo e vieram com várias ideias”, conta Feiler.

Naturalmente, há uma lacuna entre o tipo de conduta nessas reuniões e o comportamento das pessoas pelo resto da semana – nada é perfeito. Mas o importante é que as conversas produzem, de fato, efeitos. “Três anos mais tarde – as nossas meninas estão com quase oito agora -, nós ainda estamos fazendo essas reuniões. Minha esposa as vê como um de seus momentos mais preciosos como mãe”, afirma Feiler.

O manifesto familiar

Jeff Sutherland e um grupo de designers se reuniram em Utah (EUA) em 2011 e escreveram um manifesto Agile de 12 pontos para empresas.

Feiler acha que é a hora certa para se criar um Manifesto Agile da Família, e ele propõe três pontos:

Número um: Adapte-se o tempo todo

Segundo Feiler, os pais não podem antecipar todos os problemas que vão surgir. O sistema ágil é construído baseado na mudança, de modo que você pode reagir ao que está acontecendo em tempo real.

Por exemplo, jantar em família. Todo mundo sabe que jantar em família é bom para as crianças. Mas para muitos de nós, tal coisa simplesmente não funciona, não se encaixa em nossas vidas. Se todos têm horários diferentes na hora do jantar, então tomem café da manhã em família. Ou façam um lanche. Ou então, tornem as refeições de domingo mais importantes.

Pesquisas mostram que existem apenas 10 minutos de tempo produtivo em qualquer refeição familiar. O resto é ocupado com “tire os cotovelos da mesa” e “passe o ketchup”. Se você mover esses 10 minutos para qualquer outra parte do dia, terá o mesmo benefício. Essa é a adaptabilidade.

O ponto é que existem várias ideias novas por aí, mas cada um tem que se adaptar a elas e se conectar com eles. “Seja flexível, tenha a mente aberta, deixe as melhores ideias ganharem”, sugere Feiler.

Número dois: Capacite seus filhos

Nosso instinto como pais é fazer tudo pelos nossos filhos. Há uma razão para a qual alguns sistemas familiares têm sido mais cachoeira do que ágeis: as ordens vêm de cima para baixo.

“Mas a lição maior que aprendemos é reverter a queda de água tanto quanto possível. Conte com os filhos em sua própria educação”, diz Feiler.

Como exemplo, ele citou uma reunião de família em que as próprias filhas levantaram o problema da “reação exagerada”. Elas mesmas, em seguida, sugeriram que quem excedesse um certo tempo de reação exagerada por semana deveria ser punido. E esse sistema não é frouxo.

“Há uma abundância de autoridade parental acontecendo. Mas estamos dando a elas a prática de se tornar independente, o que naturalmente é nosso objetivo final. Conforme eu estava saindo de casa para vir aqui hoje à noite, uma das minhas filhas começou a gritar. A outra disse: ‘reação exagerada!’ e começou a contar. Dentro de 10 segundos, a gritaria terminou. Para mim, é um milagre ágil”, conta Feiler.

Pesquisas corroboram esta afirmação também. Crianças que planejam suas próprias metas, definem horários semanais, avaliam seu próprio trabalho, constroem seu córtex frontal cerebral e têm mais controle sobre suas vidas.

Então, deixe que seus filhos cometam erros. Deixe que eles façam uma besteira com os R$ 10 de mesada que ganharam. É melhor do que fazer uma besteira com os R$ 10.000 de um salário. Conclusão: capacite seus filhos.

Número três: Conte a sua história

“Adaptabilidade é bom, mas também precisamos de uma base”, explica Feiler. O sistema ágil é ótimo para estimular o progresso, mas você precisa preservar o núcleo. E como fazer isso?

As empresas costumam definir a sua missão e identificar seus valores fundamentais. É possível fazer o equivalente na família. Feiler, por exemplo, fez uma festa do pijama com suas filhas e, juntos, a família decidiu o que era importante para eles, quais eram os valores que eles mais defenderiam – e acabaram com 10 declarações.

Mais uma vez, estudos mostram que os pais devem gastar menos tempo se preocupando com o que eles fazem de errado e mais tempo se concentrando no que sabem fazer bem. A declaração de missão da família é uma ótima maneira de identificar o que é que as pessoas fazem bem.

“Algumas semanas mais tarde, recebi um telefonema da escola. Uma de nossas filhas tinha se metido em uma briga. De repente, nós estávamos preocupados com o seu comportamento. Não sabíamos o que fazer, por isso, a chamamos em meu escritório. A declaração de missão da família estava na parede, e minha esposa disse: ‘Algo ali parece aplicar-se?’. E ela olhou para a lista, e disse: ‘Aproxime as pessoas?’. De repente, tínhamos um caminho para a conversa”, conta.

Outra ótima maneira de reforçar a base de uma família é contar a seus filhos de onde eles vieram.

Pesquisadores da Universidade Emory deram a crianças um simples teste “o que você sabe” sobre a família, com perguntas como “Você sabe onde seus avós nasceram?” e “Você sabe onde seus pais estudaram?”, além de “Você conhece alguém em sua família que passou por uma situação difícil, uma doença, e superou isso?”.

As crianças que mais sabiam sobre a família tinham a maior autoestima e um maior sentido de que podiam controlar as suas vidas. O teste foi o único grande preditor da saúde emocional e felicidade dos pequenos.

As crianças que sentem que são parte de uma narrativa maior tem uma maior autoconfiança. Assim, a sugestão de Feiler é: conte a sua história a seus filhos.

“A lição final que eu aprendi é: a felicidade não é algo que encontramos, é algo que fazemos. A grandeza não é uma questão de circunstância. É uma questão de escolha. Você não precisa de um grande plano. Você não precisa de uma cachoeira. Você só precisa dar pequenos passos, acumular pequenas vitórias. Qual é o segredo de uma família feliz? Tentar”, conclui Feiler.[TED]

6 comentários

  • Vinicius Dantas:

    Terceiro parágrafo:
    “com parentes casados que vivem em casas separadas, com parentes divorciados”
    Caíram no falso cognato da palavra parents, não?

  • Artur José Cavalcanti:

    Muito bom.

  • Dinho01:

    Só uma coisinha:Nesse contexto a melhor tradução para “walking the bible” seria “Caminhando (ou andando) NA bíblia.”

  • Daaniel Caarlos Coelho:

    A solução, não só pra isso como pra tudo se resume em uma simples palavra, UNIÃO!

  • Thyago Costa:

    Achei isso ai fantástico! Obrigado

  • SergioMF:

    Excelente!!!

Deixe seu comentário!