Cientistas anunciam que tentarão criar genoma humano do zero

Por , em 6.06.2016

Um grupo internacional de cientistas acaba de anunciar um plano para criar um genoma humano sintético dentro de 10 anos – o que significa que eles vão tentar escrever um novo código de DNA para a vida humana a partir do zero.

O ambicioso empreendimento, denominado Human Genome Project-write (“Projeto Genoma Humano – escrito”, em tradução livre), poderia ser a chave para compreender doenças humanas melhor do que nunca, e também reduzir muito o custo do sequenciamento genético. É um projeto incrivelmente excitante para a ciência, mas o que está preocupando alguns é o fato de que foi lançado sem o público ter sido devidamente consultado sobre quaisquer preocupações éticas.

Os rumores sobre o novo projeto começaram no mês passado, quando 150 cientistas se reuniram em um encontro a portas fechadas na Harvard Medical School para falar sobre a construção de um genoma humano inteiramente sintético.

O fato de que os jornalistas não foram autorizados a estar na reunião foi recebido com críticas, e agora 25 dos pesquisadores delinearam sua proposta na revista Science – embora sem aliviar as preocupações.

Objetivos audaciosos

Encarado como um seguimento não oficial ao enorme e importante Projeto Genoma Humano (HGP, na sigla em inglês) – que terminou em 2004 e resultou no mapeamento completo do nosso código genético -, o objetivo do HGP-write é levar as coisas um passo adiante e não apenas ler nossos genomas, mas criá-los.

A expectativa é que esta pesquisa, na pior das hipóteses, faça cair o preço da engenharia genética e seus testes em 1.000 vezes durante a próxima década – o que seria bastante incrível, visto que já se é capaz de sequenciar um genoma inteiro por menos de 1.000 dólares hoje em dia.

“A meta do HGP-write é reduzir os custos da engenharia e de testes com genomas grandes, incluindo um genoma humano, em linhas celulares, mais de 1.000 vezes dentro de 10 anos, durante o desenvolvimento de novas tecnologias e um quadro ético para engenharia em escala genômica, bem como aplicações médicas transformadoras”, escreveram os pesquisadores em um rascunho de um comunicado de imprensa obtido pelo jornal americano The Washington Post (um comunicado de imprensa oficial não foi divulgado ainda).

Para conseguir isso, os cientistas dizem que vão tentar levantar 100 milhões de dólares em financiamento privado e público durante a próxima década e colaborar com grupos internacionais.

Por mais que a ideia seja muito legal, eles definitivamente terão bastante trabalho pela frente. Embora os cientistas já tenham conseguido criar genomas sintéticos para bactérias no passado, escrever um código de DNA humano completo vai ser muito mais difícil.

A criação de um genoma humano sintético significa descobrir quais combinações químicas são necessárias para criar as 3 bilhões de bases de DNA que ficam dentro dos 23 pares de cromossomos encontrados dentro de cada núcleo de célula do nosso corpo.

Ah, e, em seguida, eles vão ter que descobrir onde todas estas combinações químicas devem ficar, colocá-las juntas no laboratório na ordem certa, e depois organizá-las para que elas possam fazer com que uma célula se mantenha viva.

Dilemas éticos

A boa notícia é que este projeto loucamente ambicioso poderia nos ensinar muito sobre nossa biologia e sobre nossas doenças. Mas também poderia ajudar os cientistas a chegar um passo mais perto de criar “bebês projetados”.

A preocupação é que esse tipo de pesquisa poderia nos ensinar mais sobre como projetar seres humanos resistentes a doenças, ou excepcionalmente fortes ou inteligentes. Mesmo não sendo tão simples assim programar qualquer característica que queiramos, é definitivamente algo que estaria mais perto após este projeto.

Esta não é a intenção do projeto. Os pesquisadores afirmam abertamente que a pesquisa vai acabar na placa de Petri, e eles não querem manter qualquer uma das linhas celulares de genoma humano vivas.

Mas os críticos dizem que o problema é que a proposta não lida com as preocupações éticas que ela traz.

A equipe escreve que “vai permitir uma ampla discussão pública sobre o HGP-write, e ter essas conversas bem antes da implementação do projeto vai orientar as capacidades emergentes na ciência e contribuir para a sociedade na tomada de decisões”, embora eles realmente não descrevam exatamente que questões essas discussões irão envolver.

Novas regras

Existem diretrizes de pesquisa com células-tronco existentes que se aplicam a esta pesquisa, mas uma vez que este é um novo empreendimento, os pesquisadores terão a responsabilidade de criar várias novas regras conforme avançarem.

“Antes de lançar um projeto tão importante, as perguntas precisam ser feitas, incluindo se ele deve mesmo ocorrer”, já disse o bioengenheiro Drew Endy, da Universidade de Stanford. “Os autores não colocam essas questões essenciais. Na verdade, na sua proposta, eles não conseguem levantar quaisquer questões”.

Mas mesmo com todas essas preocupações éticas, é muito provável que este projeto beneficie todos nós, e nossos filhos, de uma maneira que não podemos sequer imaginar.

“Isto é tão ousado enquanto objetivo como o projeto genoma humano original e os autores do artigo para a Science reconhecem que seu novo objetivo será cumprido com controvérsia semelhante à que o HGP original teve de enfrentar”, defende o biólogo sintético John Ward, da University College London.

“Mas é bem aceito agora que o HGP original abriu a possibilidade e cada vez mais ajudou a tornar realidade novos tratamentos médicos em doenças genéticas humanas e câncer, e estaremos colhendo os benefícios disso pelas próximas décadas”, acrescentou.

Um programa tão ambicioso como esse é extremamente empolgante, mas, tanto quanto nós gostamos de ver a ciência avançar nossa compreensão da biologia para outros níveis, projetos como este têm a necessidade de vir com o nível adequado de discussão ética – fora as conclusões que isso possa trazer, sem uma discussão transparente, o público nunca vai confiar no que está acontecendo.

E em um mundo de desinformação, pessoas que não acreditam em vacinas, negação das mudanças climáticas, etc, a última coisa que precisamos é dar às pessoas uma razão para terem um pé atrás com a ciência. [Science Alert]

9 comentários

  • Gabriel Bonfim:

    “A preocupação é que esse tipo de pesquisa poderia nos ensinar mais sobre como projetar seres humanos resistentes a doenças.”

    • Gabriel Bonfim:

      Falam como se fosse algo ruim, um humano resistente a doenças. #facepalm

  • Gabriel Bonfim:

    A preocupação é que esse tipo de pesquisa poderia nos ensinar mais sobre como projetar seres humanos resistentes a doenças.. falam como se f

  • Davi:

    legal, mas temos que ter cautela, se fizemos direito pode dar certo e quem sabe aumentamos nossa espectitativa de vida.

  • Cesar Grossmann:

    Em quanto tempo estaremos em Gattaca?

  • Douglas Wilson:

    Porque as nações não criam um pacto universal sobre “moral” ou ética,facilitando esses problemas? O valor de bem e mal devia ser universal.

    • Cesar Grossmann:

      Primeiro teríamos que destruir todas as culturas que fossem diferentes do “padrão”. E quem decide o “padrão”? Kant?

  • domquixote:

    Sim. É possível e necessário criar um genoma perfeito. Isento de todos os defeitos. Ainda assim, é possível manter a variedade da espécie!

    • Douglas Wilson:

      Isso seria a coisa mais gloriosa para a espécie humana

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