OMS pede que países parem experiências com Crispr que possam levam a humanos geneticamente modificados

Por , em 9.08.2019

Demorou, mas chegou. Oito meses depois do cientista chinês Jiankui He anunciar que havia criado secretamente as primeiras crianças geneticamente modificadas do mundo, a Organização Mundial da Saúde (OMS) emitiu um comunicado sobre esse tipo de experimento. A maior autoridade mundial em saúde pediu que governos parem quaisquer experimentos que possam resultar no nascimento de mais humanos geneticamente modificados.

No dia 26 de julho, o diretor-geral do órgão, Tedros Adhanom Ghebreyesu, se pronunciou sobre o tema. Em março, um comitê de especialistas em governança e supervisão da edição do genoma humano da OMS indicou ao diretor-geral que “seria irresponsável, neste momento, para qualquer um prosseguir com as aplicações clínicas da edição do genoma da linhagem germinativa humana”. O comitê, composto por 18 membros, foi formado dias depois do anúncio de He.

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Agora, Ghebreyesu veio a público para dizer que concorda com o parecer. “A edição do genoma da linha germinativa humana apresenta desafios éticos e técnicos únicos e sem precedentes”, disse em informe oficial. “Aceitei as recomendações provisórias do Comitê Consultivo de Especialistas da OMS, de acordo com as quais as autoridades reguladoras de todos os países não devem permitir nenhum trabalho adicional nessa área até que suas implicações sejam devidamente consideradas”.

Tema controverso

Embora seja mais branda do que a proibição total de experimentos com Crispr – pela qual muitos cientistas pediram nos dias seguintes ao controverso anúncio de He -, a posição da OMS é uma forte repreensão ao trabalho do chinês. Ainda resta saber se o anúncio terá algum resultado efetivo, já que a decisão final sobre o tema continua cabendo aos governos e autoridades éticas de cada país.

Em entrevista ao portal da revista Wired, o cientista de edição genética Fyodor Urnov, do Instituto Altius de Ciências Biomédicas em Seattle e da Universidade da Califórnia, em Berkeley, nos Estados Unidos, parabenizou a OMS por ficar do “lado certo da questão”. Para o especialista, a tecnologia de edição da linha germinativa humana não é apenas prematura, mas clinicamente desnecessária.

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“Quanto mais firmes forem as autoridades de saúde, melhor. E esta é uma postura tão clara quanto possível. Mas ela só falar sobre pessoas que operam dentro de estruturas regulatórias estabelecidas e, por definição, não aborda o que um indivíduo mal-intencionado pode fazer”, afirmou, em referência à pesquisa de He, que foi desenvolvida em segredo – tanto da comunidade científica quanto, ao menos oficialmente, do governo chinês.

O peso do comunicado

Os Estados Unidos têm regulamentações sólidas sobre o tema e as autoridades não podem aprovar testes clínicos envolvendo embriões humanos geneticamente modificados. O Brasil não fica atrás: a Lei de Biossegurança, de 2005, proíbe qualquer experimento com edição genética de embriões humanos. A lei proíbe completamente a “engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano e embrião humano”.

Na Rússia, porém, pelo menos um cientista começou a fazer planos para começar a testar o Crispr em clínicas de fertilização in vitro para prevenir a surdez hereditária. E, diferentemente dos componentes de armas atômicas, os materiais necessários para a Crispr podem ser comprados facilmente para fins de pesquisa. Logo, não há muito que a OMS possa fazer para impedir acordos entre cientistas e médicos inescrupulosos para criar clínicas secretas de edição de embriões.

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Ainda assim, para instituições legítimas, o posicionamento do órgão pode ser um freio. A pesquisadora e bioeticista da Yale Medical School Carolyn Brokowski, que estudou dezenas de relatórios e comunicados emitidos pela comunidade internacional sobre edição germinal humana desde 2015, acredita que a OMS tem “poderes interessantes”. Para ela, dada as incertezas que existem no momento, seria lamentável para qualquer país ou instituição fazer qualquer coisa que seja contra-indicada pela OMS.

O comitê de especialistas em governança e supervisão da edição do genoma humano da OMS também sugeriu, ainda em março, que a OMS criasse um registro global transparente para todos os experimentos relacionados à edição genética humana. Segundo a Wired, atualmente, mais de 20 ensaios clínicos em todo o mundo estão usando um tipo diferente e menos controverso de edição que envolve a alteração do DNA nas chamadas células somáticas (coisas como glóbulos brancos e células da medula óssea, ao invés de espermatozoides ou óvulos). [OMS, Wired]

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