Tecnologias de leitura e controle mental estão próximas: quais são as implicações éticas?

Por , em 13.03.2020

Segundo R. Douglas Fields, pesquisador de desenvolvimento e plasticidade do sistema nervoso nos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA, em breve, tecnologias como leituras elétricas e estimulação elétrica do cérebro poderão nos ajudar a diagnosticar e tratar diversas condições mentais.

Enquanto isso representa uma evolução e um avanço enorme para a medicina, existem também diversas questões éticas envolvidas com essas técnicas de leitura e controle mentais.

Manipulando atividade cerebral elétrica: diagnóstico e tratamento

A habilidade de manipular a atividade elétrica do cérebro humano pode ser uma revolução no diagnóstico e tratamento de doenças mentais do mesmo nível que a bioquímica foi para o diagnóstico de diversos fatores de risco e doenças corporais.

Por exemplo, quando você vai ao médico, ele pode lhe pedir um exame de sangue para determinar a saúde de seu corpo. Se você descobre que possui colesterol alto, o médico pode lhe informar que este é um fator de risco para derrame e lhe explicar que medidas você pode tomar para diminuir esse risco.

De maneira semelhante, o monitoramento de apenas alguns minutos de atividade cerebral pode revelar muitas coisas sobre nossa saúde mental, desde doenças neurológicas até habilidades cognitivas até doenças mentais, como déficit de atenção e hiperatividade e esquizofrenia.

O problema é como aplicar esse conhecimento. Para o diagnóstico ou tratamento de alguma condição, é certamente excelente. Mas existem algumas fronteiras perigosas. Por exemplo, padrões de atividade elétrica no cérebro também podem revelar se a cognição de uma pessoa é normal ou anormal.

Sobre a cognição: quais são os limites éticos?

Fields explica que analisar a mente através das ondas elétricas captadas por uma touca de eletroencefalograma pode levar a várias descobertas: pode servir para medir o QI de uma pessoa, para identificar seus fortes e fracos cognitivos, para identificar traços de personalidade e até para determinar a aptidões de aprendizado.

Por exemplo, a atividade elétrica de uma criança em idade pré-escolar pode ser usada para predizer quão bem ela será capaz de ler quando for à escola.

Em seu livro “Electric Brain” (em tradução literal, “Cérebro Elétrico”), Fields conta que ele mesmo foi submetido a esse tipo de teste e, depois de ter suas ondas cerebrais registradas usando eletroencefalograma por apenas cinco minutos, o neuropsicológico Chantel Prat, da Universidade de Washington (EUA), lhe disse que aprender uma língua estrangeira seria difícil para o cientista por conta de ondas beta fracas em uma parte específica de seu córtex, responsável pelo processamento de linguagem.

De fato, Fields já estudou alemão e espanhol, mas não conseguiu dominar nenhuma dessas línguas e não pode falá-las.

Até aí, tudo bem. Mas como essa forma de “leitura cerebral” poderá influenciar a vida das pessoas, suas escolhas de educação e carreira, caso se torne corriqueira? É isso que ainda não sabemos.

Lendo pensamentos: onde é longe demais?

Um estudo conduzido pelo neurocientista Marcel Just e seus colegas da Universidade Carnegie Mellon (EUA) utiliza ressonância magnética para decifrar os pensamentos de uma pessoa através de padrões complexos de atividade cerebral.

Eles podem determinar, através apenas da leitura da atividade cerebral de uma pessoa, em qual número ela está pensando ou qual emoção está sentindo, por exemplo.

Essa pesquisa tem diversas implicações. Just e sua equipe podem prever se uma pessoa está pensando em se suicidar somente ao analisar como seu cérebro responde a palavras como “morte” e “felicidade”.

Em muitos casos, o suicídio de um individuo vem como uma surpresa para seus amigos e familiares, porque ele nunca falou sobre isso com ninguém, nem mesmo um terapeuta. Logo, “ler” seus pensamentos é uma forma mais eficaz de tentar prevenir esse tipo de comportamento. Os pesquisadores também acreditam na capacidade dessa técnica de evitar crimes sombrios como os massacres escolares, nos quais adolescentes suicidas assassinam colegas e depois tomam suas próprias vidas.

Ao mesmo tempo, será que queremos invadir a mente das pessoas desse jeito? É justo determinamos um “normal” cerebral? O que devemos considerar um desvio desse “normal”? Qualquer coisa que fuja de uma média definida a partir de uma grande população? Em que momento devemos remover uma pessoa da sociedade porque sua atividade cerebral se desvia do que é considerado normal?

Tudo isso ainda precisa ser muito discutido e estudado.

Tratando condições mentais, como Parkinson e depressão

Apesar das implicações éticas, já existem muitos avanços aplicáveis que devem ser aproveitados.

Por exemplo, a transmissão de pulsos elétricos ou magnéticos através de eletrodos no cérebro pode tratar muitos distúrbios neurológicos e psiquiátricos, da doença de Parkinson à depressão crônica.

O histórico de pesquisa que envolve “controle mental” de fato não é dos melhores; nos anos 1970, o neuropsicólogo Robert Heath, da Universidade Tulane (EUA), inseriu eletrodos no cérebro de um homem homossexual para “curá-lo”. Já o neurocientista espanhol José Delgado usou estimulação cerebral em macacos, pessoas e até em um touro para entender como comportamentos e funções específicas poderiam ser controlados. Seus objetivos obscuros incluíam alterar pensamentos, evocar memórias e “livrar” o mundo de comportamentos desviantes através da estimulação cerebral, a fim de produzir uma sociedade “psicocivilizada”.

Sendo assim, fica óbvio que a ideia de “manipular” o cérebro de uma pessoa pode ser muito perturbadora. Contudo, Fields crê que estamos nos aproximando de um limiar a partir do qual será na verdade antiético não tratar condições mentais utilizando estimulação cerebral, uma vez que essa opção é mais eficaz e mais segura do que a maioria dos tratamentos para condições mentais disponíveis hoje.

Remédios nem sempre funcionam e vêm com uma série de efeitos colaterais, geralmente porque não são específicos o suficiente. A psicocirurgia também tem um trágico histórico de abuso, sem contar que qualquer cirurgião tem que lidar com a perspectiva de perder seu paciente na mesa cirúrgica. A estimulação eletroconvulsiva também não é sempre eficaz e às vezes apresenta efeitos colaterais debilitantes.

Estimular o circuito neural de maneira mais precisa através de estimulação elétrica é uma opção muito melhor, embora ainda não seja uma terapia totalmente compreendida. O conhecimento necessário sobre onde colocar os eletrodos ou qual força e padrão de estimulação elétrica devem ser utilizados ainda não está 100% disponível.

Optogenética: um caminho para o tratamento preciso e eficaz

Dito isto, alguns avanços práticos estão sendo feitos. A Administração de Drogas e Alimentos dos EUA aprovou o tratamento da depressão por estimulação magnética transcraniana em 2008, posteriormente expandindo essa aprovação para o tratamento da dor e enxaqueca.

Além disso, militares americanos estão usando esse método para acelerar o aprendizado e melhorar o desempenho cognitivo de pilotos.

Por fim, novos métodos de estimulação cerebral estão sendo desenvolvidos. Em experimentos com animais, a estimulação ou inibição superprecisa de neurônios pode ser alcançada através da optogenética, um método que usa engenharia genética e luz laser. Se aplicada aos seres humanos, a estimulação optogenética deve ser capaz de tratar muitos distúrbios neurológicos e psiquiátricos através do controle preciso de circuitos neurais específicos, mas o uso dessa abordagem em pessoas ainda não é considerado ético.

Conforme já foi comentado por Fields, entretanto, estamos chegando a um ponto em que não poderemos negar a estimulação optogenética ou elétrica do cérebro a pessoas que sofrem de doenças mentais ou neurológicas graves. “O gênio está fora da garrafa. É melhor começarmos a conhecê-lo”, afirma. [ScientificAmerican]

1 comentário

  • silviojbmaia:

    Rigorosa fiscalização da verdade nos fatos transmitidos e discernimento conscientizado no exame das opiniões.

Deixe seu comentário!