Spins, abajures e 1001 noites

Por , em 17.06.2012

Como prometi em meu artigo anterior sobre valetrônica, vamos abordar aqui o conceito mãe desta área emergente da tecnologia a denominada spintrônica responsável por alguns prodígios na indústria da informática, tais como:

  • Redução do tamanho dos discos rígidos dos computadores acompanhada pelo aumento extraordinário de sua capacidade de armazenamento.
  • Desenvolvimento de novas memórias RAM (Random Access Memory) as célebres MRAM (Magnetoresistive Random Access Memory) que são capazes de armazenar dados que seriam perdidos caso o computador fosse desligado.

Muitos pesquisadores preconizam que além do armazenamento de dados, a spintrônica pode ser aplicada à fabricação de novos semicondutores capazes de produzir o tão esperado superchip dos computadores quânticos.

O neologismo spintrônica (também conhecida como magnetoelectrônica) é oriundo do conceito “eletrônica baseada em spin”.

UM GIRO PELO SPIN

Aprendemos em nossas aulas de química básica (de forma bastante simplificada) que “spin” (giro em inglês) representa a rotação do elétron em torno de seu eixo e que pode se dar tanto no sentido horário quanto no sentido anti-horário*.

Dois elétrons com spins contrários são denominados de antiparalelos e apresentam a peculiaridade de gerar campos magnéticos simétricos.

Para melhor entender isso basta imaginar que quando um elétron gira ao redor de seu eixo no sentido horário ele se transforma num diminuto ímã com polo norte apontado para cima e polo sul apontado para baixo. Seu vizinho, que faz uma rotação em sentido contrário, terá exatamente o inverso desta orientação, ou seja, polo norte em baixo e polo sul em cima.

Seguindo esta ideia temos dois estados quânticos básicos para o spin – horário e anti-horário – que numa linguagem aplicada ao mundo digital poderia ser traduzido numa base binária como zero (horário) e um (anti-horário).

Nas entranhas de processamento de um computador todos os números são representados dessa forma, como zeros e uns. Daí esses estados quânticos poderem ser usados para armazenar memória em computadores e também na construção de registradores para microchips.

OS ABAJURES DAS MIL E UMA NOITES

Para explicar essa história de que todos os números podem ser expressos apenas com zeros e uns vou recordar aqui uma velha piada nerd:

Um jovem geek muito distraído chega à livraria e pede o livro com o título: “As 9 noites”.

A vendedora consulta o acervo e responde:

— Eu tenho apenas o livro “As 1001 Noites”
— É esse mesmo — responde o jovem se justificando — Eu achei que estava em binário!

Para entender a piada imagine que temos quatro abajures cujas cúpulas estão pintadas respectivamente com os números 8, 4, 2 e 1, os quais só aparecem claramente quando os abajures estão ligados.

O número 1001 é o código de estado dos abajures na ordem citada. O número “um” indica abajur ligado e o número “zero” indica abajur desligado.

Com o código binário 1001 estamos dizendo que só se encontram ligados o primeiro abajur (aquele com o número 8 pintado em sua cúpula) e o quarto abajur (aquele com o número 1 pintado em sua cúpula).

Somando-se esses números que aparecem claramente, pois esses abajures estão ligados, temos:

8 + 1 = 9

Ai está a “tradução” do número 1001 em base binária para o número 9, nosso velho conhecido da base decimal.

Daí a velha piada: “As 1001 noites” = “As 9 noites”.

Eu sei. Uma piada quando é explicada não tem a mínima graça! Mas vale para nossa analogia:

  •  cada abajur representa uma unidade de informação, chamada de “bit” (e que pode apenas ter dois valores – um e zero – ligado e desligado);
  •  o sistema de quatro abajures teria no todo quatro “bits”.

Imaginando agora oito abajures ou oito bits (1 byte) (com os números 128, 64, 32, 16, 8, 4, 2 e 1 pintados em suas cúpulas):

  • ligando e desligando os abajures podemos gerar números decimais que vão do zero (todos os abajures desligados) ao 255 (todos os abajures ligados). Some para ver.

(Ei! Essa é uma ótima sugestão para uma decoração geek!).

Assim, nesse sistema de oito bits o nosso bom e velho número nove seria representado: 00001001

BITS QUÂNTICOS ou QBITS

Você que conseguiu me acompanhar até aqui, deve estar se perguntando, afinal qual é a novidade da spintrônica, se o spin emula os dois estados típicos do mundo binário: 1 e 0?

Uma das novidades está na sobreposição de estados que existe para o spin e também para outros aspectos das partículas do mundo subatômico. Um fenômeno tipicamente quântico.
Em outras palavras, existe um terceiro estado, que seria para nossa analogia a concepção de um abajur quântico que  além de ligado ou desligado, poderia também estar ligado e desligado simultaneamente (Um artigo muito difícil de ser encontrado numa loja de decorações!).

Esse abajur representa uma nova unidade de informação – o bit quântico ou qubit – que por apresentar, por este parâmetro, três estados (00 – desligado, 11 – ligado, e 01- ligado/desligado) revoluciona a forma de trabalhar com os operadores matemáticos da base teórica. A mesma matemática booleana que fundamenta a construção de memórias e de microchips.

Para dar uma ideia deste poder segue uma tabela de conversão:

2 qubits = 4 bits
3 qubits = 8 bits = 1 byte
4 qubits = 16 bits
5 qubits = 32 bits
6 qubits = 64 bits
7 qubits = 128 bits
8 qubits = 256 bits
9 qubits = 512 bits
10 qubits = 1.024 bits
20 qubits = 1.048.576 bits
30 qubits = 1.073.741.824 bits
40 qubits = 1.099.511.627.776 bits
41 qubits = 2.199.023.255.552 bits
42 qubits = 4.398.046.511.104 bits
43 qubits = 8.796.093.022.208 bits = 1 terabyte

Ainda a spintrônica, como base para a computação quântica, apresenta outra propriedade inquietante, a do entrelaçamento quântico, mas bem, esse é um assunto para um próximo artigo. Não perca!

-o-

[* O  conceito de spin é muito mais complexo do que é apresentado neste modelo – ele representa os estados de simetria de diversas partículas subatômicas – veremos também em artigos futuros]

[Imagem= “abajures quânticos” – do acervo do autor]

[Leia os outros artigos  de Mustafá]

 

LEIA SOBRE O LIVRO A COR DA TEMPESTADE do autor deste artigo

Navegando entre a literatura fantástica e a ficção especulativa Mustafá Ali Kanso, nesse seu novo livro “A Cor da Tempestade” premia o leitor com contos vigorosos onde o elemento de suspense e os finais surpreendentes concorrem com a linguagem poética repleta de lirismo que, ao mesmo tempo que encanta, comove.

Seus contos “Herdeiros dos Ventos” e “Uma carta para Guinevere” juntamente com obras de Lygia Fagundes Telles foram, em 2010, tópicos de abordagem literária do tema “Love and its Disorders” no “4th International Congress of Fundamental Psychopathology.”

Foi premiado com o primeiro lugar no Concurso Nacional de Contos da Scarium Megazine (Rio de Janeiro, 2004) pelo conto Propriedade Intelectual e com o sexto lugar pelo conto Singularis Verita.

10 comentários

  • Reinaldo Jose Klisiewicz:

    Exelente analogia usada ,que permite um fácil entendimento.

  • Andhros:

    Ai… a história se repete(?):

    “Ainda a spintrônica, como base para a computação quântica, apresenta outra propriedade inquietante, a do entrelaçamento quântico, mas bem, esse é um assunto para um próximo artigo.”

    E voilà! Processador quântico e entrelaçamento quântico! Nem foi feito o protótipo do processador e já sabemos uma maneira perfeita de hackea-lo!

    Supostamente, desta maneira, empresas e governos poderiam adquirir computadores cujos processadores quânticos apresentariam risco de estar entrelaçados com outros, em mãos rivais ou inimigas, e o crime digital contaria com um poderoso recurso.

    Seria preciso um conhecimento mais aprofundado e bem atualizado desta tecnologia para dizer se há como isso ser prevenido, e se for, acredito que seja resolvido de uma maneira extremamente banal como: simplesmente reiniciar uma vez, mudar frequência de alguma coisa, ou o processador já é preparado para evitar isso, etc.

    Mas falando em “potencial”, pelo o que entendi de entrelaçamento (ou emaranhamento, se quiser soar meio estranho), nesta situação ele implicaria nestes três pontos críticos:
    ► o usuário não teria como saber, detectar ou prevenir;
    ► seria infalível quanto a distância dos processadores ou a qualquer tentativa de isolamento;
    ► seria infalível quanto ao prazo de duração da “conexão”;

    Finalmente, deixo duas perguntas que ainda não consegui responder:
    1)Essa questão seria facilmente evitada ou já até foi facilmente resolvida?
    2)Nos pontos críticos, em potencial, há algo a ser corrigido?

    Desde já agradeço quem quiser colaborar com a discussão. Acho essa questão do entrelaçamento quântico incrível.

  • Marcelo Carvalho:

    Achei muito interessante essa questão dos qubits, mas eu fico na duvida. Para realizarmos operações matemáticas com os bits, basta criar um circuito somador (que é bastante simples) onde os elétrons entram e se somam com os do registrador, perfeito! Mas como isso seria feito mediante ao estado magnético dos qubits? Eu gostaria de ter uma idéia de um projeto de um circuito eletrônico que faria essa função.
    Sou fascinado com essa questão do entrelaçamento quântico, fico imaginando quanta energia pode ser economizada já que não é preciso fazer os elétrons se movimentarem, o elétron que está no registrador pode ser somado com o que está no somador sem precisarem se movimentar e em pontos distintos do circuito.
    Parabéns Mustafa o texto ficou bem claro e explicativo, estou no aguardo de novas informações.

    • Mustafa Ali Kanso:

      De fato, Marcelo, esses circuitos spintrônicos são no mínimo fascinantes. Estou programando um artigo bem técnico sobre esse tema. Enquanto isso, para saciar sua curiosidade consulte o “paper” da equipe de pesquisadores da Universidade de Cincinnati (EUA) intitulado “All-Electric Quantum Point Contact Spin-Polarizer”. Foi publicado pela Nature Nanotechnology em 2009, se não me engano. Tem versão online. Divirta-se!
      Grato pelo incentivo e por prestigiar o Hypescience com sua audiência e com seus comentários sempre pertinentes! Abraço fraterno.

  • Marte:

    Mustafa, esse foi o seu melhor artigo. Tanta clareza que estou aplaudindo de pé.

  • Nuno:

    Gostei do artigo. É uma versão Hitech do famoso Malba Tahan :0)

  • Giovane:

    Muito interessante. Texto claro e de fácil entendimento. Estou no aguardo pelo próximo artigo.

  • Marcelo Ribeiro:

    Tem outra piada binária bacana:

    “Existem apenas 10 tipos de pessoas no mundo: Aquelas que entendem binário e as que não entendem.” Daqui.

    • Marte:

      Bacana é o garotão no seu colo. Imagino ser o herdeiro. Garoto de sorte.

    • Mustafa Ali Kanso:

      Boa! Não é que fiquei interessado em comprar a camiseta 🙂
      Abraço fraterno.

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