Bateria elétrica de 2000 anos?

Por , em 1.07.2013

Como prometido em nosso artigo “Calendário Olímpico em um computador de 2000 anos”  retornamos ao tema “OOPART” (Out of Place Artifact), um dos temas recorrentes na literatura fantástica, como o abordado em alguns de meus contos, tais como os premiados “Propriedade Intelectual” e “Singulares Verita” entre outros (A Cor da Tempestade, Multifoco – 2011).

Como vimos, a expressão “OOPART” (Out of Place Artifact) foi cunhada pelo biólogo Ivan Sanderson Terence para designar objetos relevantes para a história, arqueologia e paleontologia e que foram descobertos fora de contexto ou em sítios incomuns, incluindo também artefatos aparentemente “impossíveis” de serem encontrados naquele local, por serem anacrônicos ou por possuírem uma tecnologia contrastante com os demais artefatos encontrados.

Um dos mais célebres OOPART é a bateria de Bagdá, denominação corrente para um conjunto de artefatos mesopotâmios, cuja criação é atribuída aos Sassânidas no século I ou II de nossa era.

Tais artefatos foram descobertos em 1936 na aldeia de Khuyut Rabbou’a, nas proximidades de Bagdá, no Iraque (daí sua denominação corrente), depois de catalogados como objetos de uso culinário, ou mesmo potes para armazenagem de pergaminhos, passaram a fazer parte do acervo do Museu Nacional do Iraque.

Em 1938 o arqueólogo alemão Wilhelm König, então diretor do museu, fez alguns estudos sobre os artefatos, publicando em 1940 um artigo especulando que tais objetos poderiam ter sido células galvânicas (pilhas elétricas), possivelmente usadas para galvanoplastia do ouro em objetos de prata feitas a partir de soluções de cianeto áurico.

Os artefatos consistem em potes de terracota com cerca de 130 mm de altura e 70 mm de diâmetro contendo um tubo de cobre (feito de uma fina lâmina que foi simplesmente enrolada) que abriga uma haste de ferro . No topo, a haste de ferro é isolada do cilindro de cobre por tampões de betume, e ambos se projetam para fora do vaso. O cilindro de cobre não é estanque à água, por isso, se o vaso for preenchido com algum líquido, tanto a haste de ferro quando o cilindro de cobre serão igualmente embebidos por ele.

A forte corrosão da haste e do cilindro em todos os objetos forneceu forte argumento de que teriam sido usados como eletrodos em um tipo rudimentar de bateria que se utilizaria de algum ácido orgânico, como o ácido acético do vinagre, ou o ácido cítrico de frutos como a uva, e atualmente se especula até a utilização de ácido sulfúrico oriundo de águas vulcânicas.

Do ponto de vista químico, a ideia defendida por König é plausível.

O cobre e o ferro formam, de fato, um par eletroquímico, e na presença de qualquer eletrólito, como uma solução ácida, por exemplo, pode fornecer um potencial elétrico mensurável, algo em torno de 0,5 V em condições padrão de laboratório. (Teoricamente forneceriam cerca de 0,8 V).

Embora não seja uma bateria muito eficiente, tal montagem não faria feio numa feira de ciências, principalmente se fossem ligadas em série e em paralelo para que assim aumentassem respectivamente sua voltagem e sua corrente elétrica.

Além disso, König tinha observado uma série de objetos de prata do antigo Iraque que foram folheadas com camadas muito finas de ouro, e especulou que talvez tenham sido galvanizados com tais baterias elétricas.

Será?

A discussão persiste por mais de 60 anos.

Vários pesquisadores têm apresentados argumentos tanto a favor quanto contra a interpretação de König e a atenção da mídia tem sido despertada para esse caso cada vez que se fala em “OOPART”.

Até os Caçadores de Mitos (MythBusters) construíram réplicas desse artefatos para ver se era realmente possível utilizá-los para galvanoplastia, repetindo o realizado no programa de Artur C. Clark em 1980 (Arthur C. Clarke’s Mysterious World – pela BBC) onde o egitologista Arne Eggebrecht criou um célula galvânica usando suco de uva e com a qual realizou uma eletrodeposição de ouro sobre prata.

Embora longe de ser completamente resolvida, a polêmica exalta o imaginário popular.

Mesmo para os mais céticos, essa interpretação continua a ser considerada, no mínimo, uma possibilidade curiosa.

Se estiver correta, os artefatos antecederiam em pelo menos 1800 anos a invenção da célula eletroquímica de Alessandro Volta que deu origem ao que conhecemos atualmente como pilha elétrica.

E você leitor, o que acha?

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[Imagem: Composição Wiki]
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Navegando entre a literatura fantástica e a ficção especulativa Mustafá Ali Kanso, nesse seu novo livro “A Cor da Tempestade” premia o leitor com contos vigorosos onde o elemento de suspense e os finais surpreendentes concorrem com a linguagem poética repleta de lirismo que, ao mesmo tempo que encanta, comove.

Seus contos “Herdeiros dos Ventos” e “Uma carta para Guinevere” foram, em 2010, tópicos de abordagem literária do tema “Love and its Disorders” no “4th International Congress of Fundamental Psychopathology.”

Foi premiado com o primeiro lugar no Concurso Nacional de Contos da Scarium Megazine (Rio de Janeiro, 2004) pelo conto Propriedade Intelectual e com o sexto lugar pelo conto Singularis Verita.

4 comentários

  • Tibulace:

    Bem, num caso desses, tenho que usar o BOM SENSO, que, para mim, consiste no seguinte:Eles CONHECIAM a propriedade de ELETRODEPOSIÇÃO de pilhas como essa, SEM NENHUM CONHECIMENTO mais profundo da mesma, tudo baseado na mais arraigada PRÁTICA.Não vou supor, de maneira alguma, que eles dispunham de LÂMPADAS ELÉTRICAS, nem ELETROÍMÃS, nem MOTORES ELÉTRICOS nem nenhum conhecimento adicional, sobre ELETRICIDADE de origem química,nada disso.Creio, que era APENAS o conhecimento de um modo de FALSIFICAR um objeto,pela DEPOSIÇÃO de uma FINÍSSIMA camada de ouro ou prata,tão ao gosto da esperteza da humanidade, em TODOS os tempos.

    • Brian Carvalho:

      vamos pelo bom senso: como diabos eles foram descobrir esta propriedade de eletrodeposição? observando pedaços metalicos no fundo de um rio que adquiriam outras cores depois que enguias eletricas passavam pelo local? péra! eles não sabiam o que era a eletricidade…

    • Cesar Grossmann:

      Provavelmente uma ideia que surgiu depois de encontrar duas moedas de metais diferentes que ficaram algum tempo no vinagre.

    • Cesar Grossmann:

      Brian, você não precisa saber o que é gravidade, ou resistência dos materiais, para construir uma casa. Se souber, é melhor, vai poder usar a quantidade exata do material mais apropriado, mas se não souber, vai conseguir construir.

      Em outras palavras, os fenômenos acontecem mesmo que não saibamos sua causa. E você não precisa de uma enguia elétrica para ver eletrodeposição. Basta colocar duas moedas de material diferente, uma em contato com a outra, em uma solução ácida ou básica. Íons vão escapar da superfície de uma moeda e vão se depositar na superfície da outra, e a corrente se completa pelo contato. E isto dá para descobrir na base da tentativa e erro, sem saber nada de química ou física.

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