Este animal de três sexos desafia a genética de um jeito que nunca vimos antes

Por , em 22.01.2018

Cientistas da Faculdade de Wililam e Mary (Virgínia, EUA) estão estudando um animal muito curioso – o verme Auanema rhodensis que, além de possuir três sexos, desafia a genética de outras formas ainda mais ousadas.

Trissexualidade

Ter três sexos – masculino, feminino e hermafrodita – não é assim tão incomum no reino animal. Em certos organismos, é a norma. O que é mais raro são hermafroditas autoférteis. Pense nas minhocas: elas são hermafroditas, mas ainda é necessário duas delas para fazer bebês minhocas.

Outros organismos apresentam hermafroditismo sequencial, por exemplo, ostras e outros mariscos mudam de sexo à medida que envelhecem ou quando há necessidade na sua colônia.

Auanema rhodensis é uma espécie de nematoide que muda tudo o que sabemos sobre esse assunto. A espécie é verdadeiramente trissexual. Embora seus hermafroditas sejam autoférteis, também são sexualmente versáteis, aptos e dispostos a cruzar com machos e fêmeas da espécie.

Isso por si só já é raro, mas esse animal também quebra as regras de reprodução sexual e assexuada conhecidas em níveis que nós ainda não entendemos direito.

Herança genética

Na maioria dos animais, a reprodução depende de cromossomos sexuais rotulados X e Y. Por exemplo, as fêmeas humanas são XX e os machos são XY. Os machos produzem uma mistura de 50% de esperma X e Y, e o esperma vencedor determina o sexo da criança.

Diane Shakes, do departamento de biologia da Faculdade de Wililam e Mary, explica que, de acordo com a genética mendeliana, a população humana em geral não possui exatamente 50% de cada sexo, mas fica por aí.

Em A. rhodensis, no entanto, as fêmeas e os hermafroditas são XX, enquanto os machos têm um único X e nenhum Y. Ou seja, esta espécie não só tem três sexos, como seus padrões de herança genética confundem todas as nossas previsões.

O X da questão

“O que descobrimos é que A. rhodensis desenvolveu maneiras de se afastar do livro de regras da genética – especificamente no que diz respeito ao modo como lida com seu cromossomo X”, explica Shakes, autora de um artigo sobre o verme publicado na revista científica Current Biology.

Em estudos anteriores, Shakes e seus colegas descobriram que as células produtoras de esperma em machos de A. rhodensis “sequestram” um programa celular normalmente usado para facilitar o movimento do esperma a fim de usá-lo para produzir exclusivamente espermatozoides X. Assim, quando cruzam com as fêmeas, geram apenas prole feminina.

Os indivíduos hermafroditas dessa espécie não ficam atrás; eles também manipulam seus dados genéticos. Enquanto o padrão dita que hermafroditas XX devem produzir óvulos e esperma com apenas um X, eles descobriram que A. rhodensis contorna essas regras produzindo esperma com dois cromossomos X e óvulos sem nenhum.

Logo, quando hermafroditas produzem descendentes sozinhas, se autofertilizando, produzem na maior parte fêmeas XX e hermafroditas XX. Se cruzam com um macho, a junção de esperma masculino com apenas um X com óvulos sem nenhum X produz prole masculina.

Utilidade na pesquisa médica

Com todas as suas peculiaridades, o estudo do A. rhodensis pode ser útil para a saúde humana, especialmente a análise de sua segregação de cromossomos.

A segregação de cromossomos pode dar errado em seres humanos. Anormalidades nessa etapa levam, na maioria dos casos, a abortos espontâneos. A mais famosa ocorrência na qual um embrião sobrevive a esse defeito é a síndrome de Down, onde há uma cópia extra de um cromossomo pequeno.

Além de erros no desenvolvimento embrionário, Shakes observa que erros de segregação cromossômica aparecem também no desenvolvimento de muitos tipos de câncer.

Nematoides são ótimas cobaias para o estudo da genética humana. Um modelo muito utilizado é o C. elegans, verme que têm aproximadamente o mesmo número de genes, e funcionalmente idênticos, que nós.

Vantagens evolutivas

É claro, o C. elegans tem apenas dois, não três sexos. Para A. rhodensis, ter três sexos lhe oferece táticas reprodutivas adicionais.

As vantagens adaptativas de ser um hermafrodita autofértil são óbvias. Se você é um hermafrodita A. rhodensis sozinho em uma ilha deserta, não ficará sozinho por muito tempo. Mas há um preço a se pagar por essa vantagem, especialmente a falta de diversidade genética que beneficia a prole a longo prazo.

Shakes diz que sua hipótese sobre a estratégia reprodutiva do A. rhodensis pode ser resumida como uma aposta com a evolução. “Eu penso na espécie como uma jogadora, sempre fazendo apostas se a vida vai ficar boa ou ruim. Essas apostas assumem a forma de uma mistura de sexos descendentes. O objetivo final é fazer tantos filhos quanto possível”, argumenta.

Quando a vida é boa e há alimento suficiente, uma mistura masculina e feminina vai surgir. Já se o ambiente em que a colônia vive mudar muito rapidamente e se tornar ruim, esses animais vão preferir criar muitos hermafroditas que sairão pelo mundo para explorar novos canais de alimento e começar novas colônias.

Na natureza

Por enquanto, essas são apenas hipóteses, porque sabemos muito pouco sobre o que esses animais estão fazendo na natureza. O A. rhodensis só foi encontrado duas vezes em seu habitat natural, nos estados americanos de Connecticut e Virgínia.

Ambos os espécimes foram descobertos associados a outros animais, um carrapato e um besouro. Shakes afirma que os vermes exploradores provavelmente estavam interessados em transporte.

“Eles provavelmente não estavam infectando esses besouros ou carrapatos, apenas procurando uma carona. Eles querem andar. Eles possuem apenas um milímetro de comprimento, não podem rastejar muito longe”, explicou.

Para ler o artigo (em inglês) sobre esses animais publicado na Current Biology, clique aqui. [Phys]

1 comentário

  • Sergio Correa:

    Onde é que fica a sessão comentários que não aparece aqui pra mim?

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