O que esta gigantesca cratera de impacto escondida sob uma geleira diz sobre o passado da Terra?
Uma equipe internacional de cientistas descobriu uma gigantesca cratera de impacto enterrada sob quase um quilômetro de neve e gelo na Groenlândia. Encontrada sob a Geleira Hiawatha, a cratera tem cerca de 300 metros de profundidade e 31 quilômetros de largura, aproximadamente do tamanho da cidade de Paris.
De acordo com um estudo publicado na Science Advances a cratera é resultado do choque de um gigantesco asteroide em algum momento durante a última era glacial, conhecida como Época do Pleistoceno, que começou há 2,6 milhões de anos e terminou 11.700 anos atrás. De acordo com Kurt Kjær, geólogo do Centro de Geogenética do Museu de História Natural da Dinamarca e principal autor do estudo, essa seria a primeira cratera de impacto encontrada debaixo de uma camada de gelo no nosso planeta.
A descoberta
O achado foi quase acidental. “Em 2015, eu estava olhando para um novo mapa da rocha matriz abaixo da camada de gelo da Groenlândia e descobri uma grande característica geográfica circular sob a geleira Hiawatha no noroeste da Groenlândia”, explicou Nicolaj K. Larsen, co-autor do estudo e geocientista na Universidade Aarhus, para o Gizmodo.
Uma rachadura incomum de uma geleira na Groenlândia está preocupando a NASA
Coincidentemente, no mesmo período pesquisadores do Instituto Alfred Wegener, na Alemanha, estavam prestes a testar um novo radar aéreo para investigar profundas camadas de gelo. Em maio de 2016, os cientistas sobrevoaram a geleira de Hiawatha e usaram o radar para mapear a rocha com um detalhamento até então inédito.
O próximo passo era buscar provas sólidas de um impacto. Os pesquisadores viajaram até a geleira e coletaram sedimentos da cratera levados pela correnteza para uma planície de inundação nas proximidades. Entre o material coletado os cientistas encontraram partículas de quartzo e outros materiais comumente produzidos pela violência de um impacto extraterrestre. Por fim, testes geoquímicos dos grãos indicaram que o meteorito era composto de ferro.
Importância científica
O impacto da rocha espacial de 10 bilhões de toneladas teria desencadeado 47 milhões de vezes a energia da bomba nuclear lançada em Hiroshima em 1945. O impacto teria derretido vastas quantidades de gelo, arremessado água doce nos oceanos e lançado fragmentos rochosos na atmosfera.
Os cânions escondidos na Antártida
O achado pode levar a novas descobertas sobre o clima da era glacial e as consequências da erupção de detritos de uma colisão dessa magnitude. O fenômeno foi severo o suficiente para que seu impacto fosse perceptível em outras partes do planeta e possivelmente desencadeou um evento global de resfriamento ao lançar grandes quantidades de detritos, poeira e vapor de água na atmosfera, bloqueando a radiação solar.
Além disso, o derretimento de parte da camada de gelo da Groenlândia teria atingido o Atlântico Norte, afetando a corrente responsável pelo clima ameno do oeste e norte da Europa. Sendo assim, deve haver mais evidências desse impacto na estratigrafia do nosso planeta, o que irá permitir uma datação mais precisa do evento. Arqueólogos e antropólogos também pretendem investigar se (e, mais importante, quando) populações humanas foram afetadas por esse asteroide.
Raridade
Se a previsão de Kjær estiver correta e o impacto realmente ocorreu já no final na era do gelo (em torno de 12 mil anos atrás), essa seria uma das mais jovens e bem preservadas crateras no nosso planeta. “Você teria que voltar 40 milhões de anos para encontrar uma cratera do mesmo tamanho, então esta é uma ocorrência extremamente rara na história da Terra”, disse Kurt Kjær, para o The Guardian.
Veja os mais espetaculares lagos de crateras
Para chegarem a uma resposta mais definitiva sobre a data do impacto os pesquisadores pretendem perfurar quase um quilômetro de gelo e coletar material da cratera para datação. Outro método seria esperar até que as rochas da bacia resultante do impacto sejam levadas para a superfície na medida que a geleira flui para o mar. Seja como for, ainda há muito o que fazer e os cientistas terão que ser pacientes.
“Vivemos em um planeta onde você é capaz de inspecionar qualquer coisa e achar que já sabe tudo”, disse Kjær. “Mas quando você vê uma coisa dessa magnitude se escondendo à vista de todos, você percebe que a era das descobertas ainda não acabou”.