Proteína Bacteriana Pode Revolucionar o Tratamento de Doenças Mitocondriais

Por , em 9.11.2023
Células humanas exibindo núcleos celulares (ciano), mitocôndrias (magenta) e a proteína MceF da Coxiella burnetii (amarelo). A figura evidencia a co-localização de MceF com as mitocôndrias celulares. Crédito: Robson Kriiger Loterio.

Um grupo de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), em colaboração com colegas da Austrália, identificou uma nova proteína bacteriana com a capacidade de manter a saúde das células humanas, mesmo quando estão sobrecarregadas por bactérias. Essa descoberta traz a promessa de desenvolver novos tratamentos para várias doenças associadas à disfunção mitocondrial, como câncer e doenças autoimunes. As mitocôndrias são organelas celulares responsáveis por fornecer a maior parte da energia química necessária para os processos bioquímicos celulares.

As descobertas deste estudo foram publicadas na revista PNAS. Os cientistas realizaram uma análise abrangente de mais de 130 proteínas liberadas pela bactéria Coxiella burnetii quando ela invade as células hospedeiras. Entre essas proteínas, eles identificaram pelo menos uma capaz de prolongar a vida útil das células afetando diretamente as mitocôndrias.

Ao entrar nas células hospedeiras, a C. burnetii libera uma proteína até então desconhecida, nomeada pelos pesquisadores como efetora mitocondrial coxiella F (MceF). A MceF interage com a glutationa peroxidase 4 (GPX4), uma enzima antioxidante localizada nas mitocôndrias. Essa interação melhora a função mitocondrial, promovendo um efeito antioxidante que previne danos e morte celular, que podem ocorrer quando patógenos se replicam dentro de células mamíferas.

Dario Zamboni, um dos autores correspondentes do estudo e professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP), explicou: “A C. burnetii emprega várias estratégias para evitar a morte das células invadidas e multiplicar-se dentro delas. Uma dessas estratégias é a modulação da GPX4 pela MceF, que é o mecanismo que descobrimos e relatamos neste artigo. A realocação dessas proteínas dentro das mitocôndrias celulares permite que as células mamíferas vivam mais tempo, mesmo quando estão fortemente infectadas por bactérias.”

O estudo foi conduzido no Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias (CRID), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), em colaboração com Hayley Newton, professora da Universidade de Monash, na Austrália.

Em resumo, esta pesquisa revelou uma estratégia utilizada pela C. burnetii para manter a saúde das células hospedeiras durante a replicação intensa. Ao redirecionar a GPX4 para as mitocôndrias, a MceF atua como um antioxidante potente, desintoxicando as células infectadas e preservando os componentes celulares, ao mesmo tempo em que permite a replicação da bactéria.

A C. burnetii é o agente causador de uma infecção grave chamada febre Q, que é uma zoonose relativamente comum, mas frequentemente subdiagnosticada. Segundo os autores, os surtos agrícolas dessa doença representam um fardo econômico e de saúde pública cada vez mais significativo.

Essa bactéria pode causar pneumonia atípica em humanos e coxielose em alguns animais, como bovinos, ovinos e caprinos. Zamboni destacou que a C. burnetii é altamente adaptada para infiltrar e manipular macrófagos e monócitos, que são glóbulos brancos que fazem parte das defesas imunológicas primárias do corpo, inibindo assim a resposta do hospedeiro à infecção.

Um aspecto intrigante da C. burnetii é sua capacidade de se replicar dentro das células por aproximadamente uma semana, enquanto outras bactérias, como a Salmonella, que causa intoxicação alimentar grave, podem levar à morte das células hospedeiras em menos de 24 horas.

O estudo da C. burnetii fornece informações valiosas sobre o funcionamento das células e oferece uma compreensão melhor do tratamento da disfunção mitocondrial e da morte programada das células em humanos. Para investigar a capacidade da bactéria de manipular macrófagos e afetar diretamente as mitocôndrias, os pesquisadores conduziram experimentos in vitro e experimentos envolvendo larvas da traça-das-ceras-maior (Galleria mellonella). Eles examinaram mais de 80 proteínas novas da C. burnetii que tinham o potencial de interagir com as células hospedeiras e perturbar seu funcionamento. No final, eles se concentraram na MceF devido ao seu impacto direto nas mitocôndrias, que desempenham um papel crucial no processo de morte celular.

A equipe de pesquisa agora continuará seu trabalho em duas frentes: explorando outras proteínas de interesse e conduzindo estudos bioquímicos para obter uma compreensão mais profunda de como a MceF influencia a GPX4.

O que torna esta pesquisa particularmente empolgante é que, ao investigar uma bactéria, os cientistas estão obtendo informações valiosas sobre a sinalização celular, mecanismos de morte celular e abordagens inovadoras para reverter a disfunção mitocondrial. Esse conhecimento é derivado das interações naturais que ocorrem entre a bactéria e as células hospedeiras e pode abrir novos caminhos terapêuticos. [Phys]

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