Mistério: alguns lagartos têm um sangue verde que deveria matá-los

Por , em 21.05.2018

Certos lagartos da Nova Guiné não possuem sangue da cor com a qual estamos acostumados, ou seja, vermelho.

Quando perdem suas caudas, escorrem um líquido viscoso de um tom verde virulento. Aliás, seus ossos, línguas, músculos e membranas mucosas também têm essa cor.

A substância responsável pelo fenômeno é tóxica em quantidades tão grandes em outros animais, o que fez os cientistas se perguntarem: por que não mata esses répteis?

Um estudo americano está tentando responder à questão.

O mistério

A cor vermelha do sangue da maioria dos animais vem do pigmento portador de oxigênio nos glóbulos vermelhos, chamado hemoglobina.

Já a cor verde do sangue dos lagartos na Nova Guiné vem de uma espécie de pigmento biliar chamado biliverdina. Ele é formado quando os glóbulos vermelhos se quebram e é retido no plasma que compõe a maior parte do sangue. Em grandes quantidades, mascara completamente a cor vermelha da hemoglobina.

Seres humanos e outros animais produzem biliverdina também, mas nós a excretamos no intestino, onde ela é eliminada antes de se acumular em níveis tóxicos.

No nosso corpo, a biliverdina provoca icterícia em concentrações 40 vezes menores do que as encontradas nos lagartos de sangue verde, mas eles não parecem sofrer efeitos nocivos.

Em alguns peixes com sangue verde, a biliverdina está fortemente ligada a uma proteína transportadora que a inativa e impede sua eliminação do corpo, mas os répteis não utilizam esse mecanismo.

Qual a razão do sangue verde?

Os cientistas propuseram várias razões para explicar porque ter tanta biliverdina pode ser benéfico para esses animais. Por exemplo, a substância pode fazer mal a predadores ou servir como camuflagem.

A maioria dessas hipóteses já se provou falsa. Testes de alimentação usando aves e cobras nativas da Nova Guiné sugeriram que os répteis são perfeitamente comestíveis, mesmo com a biliverdina.

Uma explicação mais plausível é que a substância pode ajudar a controlar a proliferação de parasitas do sangue, como a malária, predominante na região e debilitante em lagartos.

Trabalhos experimentais mais recentes em outros animais sugeriram que os pigmentos biliares, incluindo a biliverdina, podem atuar como antioxidantes, protegendo o corpo de moléculas prejudiciais conhecidas como radicais livres e possuindo um importante efeito anti-inflamatório.

Evolução do sangue verde

Outra maneira de entender como e por que o sangue verde evoluiu é comparar esses animais aos seus parentes próximos com sangue vermelho.

Isso é um desafio, pois esses répteis estão entre as famílias mais diversas de lagartos, e os de sangue verde vêm de um conjunto relativamente pouco estudado em uma parte remota do mundo.

Na verdade, nem se sabia ao certo se todas as cinco espécies de lagartos de sangue verde, que haviam sido colocados no mesmo gênero Prasinohaema (em grego, “sangue verde”), eram realmente os parentes mais próximos um do outro. O sangue bizarro parece ser a única característica que eles compartilham.

Se todos fossem realmente intimamente relacionados, então a evolução do sangue verde teria sido um evento único, o que tornaria difícil escolher entre múltiplas causas possíveis e saber como elas se aplicam a outros organismos com sangue verde.

Diversidade

A nova pesquisa conduzida por cientistas da Universidade Estadual de Louisiana, nos EUA, mostrou definitivamente que esses lagartos não são um grupo estreitamente relacionado.

Para fazer isso, eles construíram uma árvore evolutiva altamente robusta de mais de 50 espécies de lagartos da Australásia usando milhares de marcadores genéticos compartilhados pelos animais.

Isso revelou que a característica incomum do sangue verde evoluiu pelo menos quatro vezes de forma independente, e todas as espécies relacionadas com sangue normal que compartilham um ancestral comum com espécies de sangue verde também são encontradas apenas na Nova Guiné.

Para entender completamente como os lagartos de sangue verde desenvolveram essa condição bizarra, precisamos de estudos mais detalhados sobre as mutações genéticas específicas responsáveis pelo fenômeno.

Sangue verde: qual a sua importância?

Agora que sabemos que o sangue verde evoluiu independentemente repetidamente, os cientistas têm mais ferramentas para desvendar as razões por trás disso.

A descoberta sugere que há de fato uma vantagem adaptativa subjacente para a retenção de altos níveis de biliverdina, já que seria extremamente improvável que uma condição tão incomum evoluísse várias vezes por acaso.

Esta conclusão é animadora, em parte porque revela quão pouco sabemos sobre a surpreendente diversidade da vida e suas peculiaridades, e em parte pelo que podemos desvendar sobre a biliverdina.

A substância parece desempenhar um papel importante em alguns problemas humanos envolvendo inflamação, incluindo choque séptico e cicatrização de feridas, e a compreensão do papel que exerce no sangue dos lagartos pode ter benefícios muito diretos para nós.

Um artigo sobre a pesquisa foi publicado na revista Science Advances. [ScienceAlert]

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