Descoberta científica: Novo estado do gelo superiônico nos gigantes gasosos
No interior dos planetas, sob pressões e temperaturas extremas, ocorrem fenômenos incomuns. Dentro do núcleo interno sólido da Terra, átomos de ferro provavelmente se movem de maneira peculiar. Em contraste, nos gigantes gasosos ricos em água, Urano e Netuno, um tipo único de gelo, conhecido como gelo superiônico, se forma. Esse gelo é extraordinário porque existe simultaneamente como sólido e líquido.
Há cerca de cinco anos, cientistas conseguiram recriar o gelo superiônico por meio de experimentos de laboratório. Quatro anos depois, eles confirmaram sua existência e sua estrutura cristalina. No ano passado, uma equipe de pesquisadores de várias universidades nos Estados Unidos, juntamente com o laboratório Stanford Linear Accelerator Center na Califórnia (SLAC), descobriu uma nova fase do gelo superiônico. Essa descoberta lança luz sobre os campos magnéticos incomuns observados em Urano e Netuno.
Quando pensamos em água, geralmente imaginamos uma molécula simples composta por um átomo de oxigênio ligado a dois átomos de hidrogênio, que congelam em uma posição fixa quando resfriados. No entanto, o gelo superiônico se comporta de maneira diferente e pode ser uma das formas mais prevalentes de água no universo, preenchendo não apenas o interior de Urano e Netuno, mas também exoplanetas semelhantes.
Esses gigantes gasosos experimentam pressões extremas, aproximadamente 2 milhões de vezes maiores que a atmosfera da Terra, e têm interiores tão quentes quanto a superfície do Sol. É sob essas condições que a água assume suas propriedades peculiares. Em 2019, cientistas confirmaram uma estrutura previamente prevista por físicos em 1988: os átomos de oxigênio no gelo superiônico formam uma rede cúbica sólida, enquanto os átomos de hidrogênio se tornam ionizados e se movem livremente dentro da rede, assemelhando-se ao movimento de elétrons em metais. Essa estrutura única confere ao gelo superiônico sua condutividade e permite que ele permaneça sólido em temperaturas extremamente altas.
Em seu estudo mais recente, a física Arianna Gleason da Universidade Stanford e seus colegas conduziram experimentos submetendo finas camadas de água, presas entre duas camadas de diamante, à intensa irradiação de lasers. As ondas de choque resultantes elevaram a pressão para 200 gigapascals (equivalente a 2 milhões de atmosferas) e temperaturas atingindo cerca de 5.000 Kelvin (8.500 graus Fahrenheit). Essas condições eram mais quentes do que as dos experimentos de 2019, mas com pressões mais baixas.
Usando a difração de raios-X, os pesquisadores conseguiram determinar a estrutura cristalina do gelo quente e denso, apesar da duração extremamente breve das condições de alta pressão e alta temperatura. Os padrões de difração revelaram uma nova fase do gelo superiônico, designada como Gelo XIX. Essa nova fase de gelo possui uma estrutura cúbica centrada no corpo e exibe uma maior condutividade do que a Ice XVIII anteriormente identificada em 2019.
A condutividade do gelo superiônico é crucial porque está relacionada à geração de campos magnéticos por partículas carregadas em movimento. Esse conceito se alinha com a teoria do dínamo, que explica como os campos magnéticos são produzidos pelo movimento de fluidos condutivos dentro de corpos celestes, como o manto da Terra.
Se o interior de um gigante de gelo semelhante a Netuno fosse composto por uma maior quantidade desse gelo superiônico sólido e uma menor quantidade de líquido turbulento, isso resultaria em um tipo diferente de campo magnético. Gleason e seus colegas sugerem que Netuno pode possuir duas camadas superiônicas com condutividades variadas em seu núcleo. Nesse cenário, o campo magnético gerado pela camada externa líquida interagiria de maneira diferente com cada uma dessas camadas, levando à criação de campos magnéticos complexos e multipolares, semelhantes aos observados em Urano e Netuno.
Em conclusão, Gleason e sua equipe propõem que uma camada de gelo superiônico semelhante ao Gelo XIX poderia aprimorar a condutividade e contribuir para a geração de campos magnéticos complexos e multipolares, semelhantes aos encontrados em Urano e Netuno. Essa descoberta tem implicações significativas, especialmente considerando que ela ocorre mais de três décadas após a sonda espacial Voyager II da NASA passar por esses gigantes de gelo, medindo seus campos magnéticos altamente incomuns. [Science Alert]