Renas Dormem e Comem Simultaneamente, Economizando Tempo Precioso no Breve Verão Ártico

Por , em 26.12.2023

Durante a temporada de baixa atividade, as renas do Papai Noel aproveitam para se recuperar, preparando-se para a desafiadora tarefa de viajar ao redor do mundo em apenas uma noite. Entretanto, suas parentes que não voam também precisam se adaptar para enfrentar o rigoroso inverno Ártico. Durante o curto verão do hemisfério norte, esses animais se alimentam intensamente para acumular reservas de gordura, prevendo os longos meses de frio e escuridão, quando a comida e a luz solar são escassos. Eles se dedicam tanto à alimentação nesse período que parece sobrar pouco espaço para outras atividades, inclusive dormir.

Melanie Furrer, neurocientista da Universidade de Zurique, e sua equipe inicialmente pensaram que, durante o verão, as renas poderiam dormir menos, compensando essa falta de descanso no inverno. Porém, a realidade mostrou-se diferente. Furrer descobriu que as renas mantêm um padrão constante de sono durante todo o ano, mesmo com a necessidade de focar na alimentação nos meses mais quentes. Elas desenvolveram uma técnica para ruminar e dormir simultaneamente, otimizando assim seu tempo no verão.

Ao analisar a atividade cerebral das renas, a equipe de Furrer observou que os animais conseguem dormir enquanto mastigam seu alimento de forma metódica. Essa habilidade permite que eles obtenham os benefícios do sono enquanto se alimentam. Essa descoberta foi publicada em um estudo na revista Current Biology. Vladyslav Vyazovskiy, fisiologista do sono da Universidade de Oxford, que não participou da pesquisa, sugere que isso revela uma forma única de sono, diferente do sono humano. Tradicionalmente, acredita-se que comer e dormir são atividades mutuamente exclusivas, mas as renas encontraram uma maneira de combinar esses dois processos de forma eficaz.

As renas, como outros ruminantes, consomem material vegetal rico em celulose, que exige um esforço considerável para ser digerido. Eles ingerem rapidamente esse alimento e, em seguida, o transferem várias vezes entre seus estômagos e bocas. Este processo, auxiliado por microrganismos benéficos em seus estômagos, permite que eles extraíam completamente os nutrientes de sua alimentação. O estudo recente revela que esse processo repetitivo de mastigação não só auxilia na digestão, mas também na obtenção dos benefícios cognitivos do sono.

Para confirmar se as renas realmente dormem enquanto ruminam, a equipe de Furrer utilizou eletroencefalografia (EEG) não invasiva em quatro renas adultas fêmeas da tundra eurasiática em um rebanho cativo na Noruega. Eles monitoraram esses animais durante quatro dias nos solstícios de verão e inverno, bem como no equinócio de outono. Os resultados mostraram padrões consistentes de sono nas renas, independentemente da estação ou da disponibilidade de luz solar. Segundo Furrer, isso sugere que a necessidade de sono delas é regulada internamente, e não influenciada por fatores externos.

O estudo também demonstrou que, quanto mais as renas ruminavam, mais descansadas pareciam estar. As gravações de EEG mostraram que seus padrões de ondas cerebrais durante a ruminação eram semelhantes aos observados durante o sono não-REM. Isso indica que elas obtêm os benefícios desse tipo de sono enquanto mastigam calmamente.

No comportamento, as renas durante a ruminação exibiram traços tipicamente associados ao sono. Elas permaneceram calmas e menos reativas a perturbações em comparação com seu estado de vigília. Por exemplo, os movimentos de uma rena vizinha chamavam sua atenção 45% das vezes quando estavam acordadas, mas apenas 25% das vezes durante a ruminação e apenas 5% quando estavam completamente adormecidas.

Os dados de EEG confirmaram que a atividade cerebral das renas durante a ruminação reflete as características típicas do sono não-REM. No entanto, a equipe buscou entender se esse estado realmente proporcionava os benefícios do sono. Quando as renas eram mantidas acordadas por duas horas, seus EEGs mostravam um aumento da atividade de ondas lentas, indicando uma necessidade de sono mais profundo. Em contraste, a ruminação as deixava descansadas, como se tivessem dormido, sugerindo que serve a um propósito semelhante.

Vyazovskiy observa que o cérebro permanece notavelmente responsivo durante o sono e que atividades rítmicas, como a ruminação, podem ajudar o cérebro a entrar em um estado meditativo benéfico. Essa habilidade única de comer e dormir ao mesmo tempo é uma adaptação ao breve verão ártico, permitindo que as renas acumulem gordura sem precisar fazer frequentes pausas para dormir. Essa adaptação é uma entre várias maneiras pelas quais os animais ajustam seus padrões de sono para sobreviver em condições polares extremas.

Apesar de manterem padrões consistentes de sono durante todo o ano, os níveis de atividade das renas variam conforme as estações, sendo mais ativas no verão do que no inverno escuro. De acordo com Furrer, eles parecem relaxados, mas não necessariamente dormindo mais no inverno.

Vyazovskiy ressalta a complexa relação entre atividade e sono, enfatizando que algumas atividades, como a ruminação, podem proporcionar descanso para o cérebro enquanto o corpo permanece ativo.

Gabriela C. Wagner, coautora do estudo e cronobiologista do Instituto Norueguês de Pesquisa em Bioeconomia, trabalha com alguns dos maiores especialistas em renas do mundo: os pastores Sami, cujos animais estão cada vez mais estressados ​​devido a atividades humanas como mineração, tráfego e fazendas eólicas. “Uma coisa que sempre surge nas discussões é que os Sami dizem que as renas precisam do que chamam de ‘paz no pasto'”, diz ela. “Isso é algo que eles não podem quantificar facilmente, é uma palavra do conhecimento tradicional, e acho que nosso estudo mostra que essa paz, o tempo para ruminar, é extremamente importante fisiologicamente – não apenas para a digestão, mas para o cérebro se recuperar.”

Essa adaptação incrível das renas para a vida no Ártico também ajuda a explicar como elas podem se manter prontas para desempenhar um papel único quando chegam as festas de fim de ano.

“Você sabe o que isso significa para o Natal”, diz Furrer. “Elas não precisam de mais sono no inverno, então ainda têm tempo suficiente para entregar os presentes.” [Smithsonian Magazine]

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