Matemática do amor: a lógica que rege relacionamentos longos e ficadas
Os estereótipos de gênero e a ciência evolutiva estabelecida sustentam que os sexos procuram relações fundamentalmente diferentes: os homens querem relacionamentos de curto prazo, sem laços duradouros, enquanto as mulheres valorizam relacionamentos de longo prazo, com o qual elas podem contar.
A explicação geralmente se resume a diferenças biológicas entre homens e mulheres. Como, evolutivamente, as mulheres investem mais na reprodução do que os homens – gravidez, enjoos matinais e estrias – ser exigente torna-se importante porque escolher mal pode custar caro, ou mesmo ser devastador. No entanto, para os homens, a reprodução pode implicar apenas uma breve ligação sexual e um pouco de esperma – não há custos a longo prazo potenciais. Há quem argumente que esta lógica foi construída em nossa psicologia.
Mas é só gastar dois minutos pensando sobre o assunto para que as coisas basicamente caiam por terra. De onde é que todas as mulheres que dormem com esses caras vêm? Não deveria ser difícil para os homens encontrar tantas parceiras dispostas a terem apenas uma noite de sexo e nada mais? Afinal de contas, é necessário duas pessoas para que nasça uma ficada.
Matemática do romance
Se formos pelos números, em um grupo com um número igual de ambos os sexos, é impossível, em média, que os homens tenham mais parceiros do que as mulheres. Então, por que esperamos que a psicologia masculina seja tão obcecada com encontros de uma noite? E por que, claramente em oposição a esta noção, tantos homens são tão devotadamente paternais?
É aí que um corpo estabelecido na literatura em sociologia e demografia – chamado teoria do mercado de acasalamento (TMA) – pode ajudar. De acordo com a TMA, as preferências de relacionamento acompanhariam não apenas essas propensões biológicas fixas, mas também seriam fortemente influenciadas pela disponibilidade de parceiros.
Se pensarmos no número de homens e mulheres em termos de mercado, ou seja, oferta e demanda, o sexo mais raro tem mais poder de barganha no mercado. Os indivíduos do sexo menos numeroso são mais propensos a serem beneficiados, porque têm mais opções. Em teoria, eles podem, se não estiverem satisfeitos com um relacionamento, ou com os termos dele, substituir facilmente um parceiro que não sustente as suas expectativas.
“O sexo mais abundante, por outro lado, tem menos opções e deve atender às preferências do sexo mais raro”, explicam Ryan Schacht, pós-doutorando em Antropologia na Universidade de Utah, e Monique Borgerhoff, professora de Antropologia na Universidade da Calofórnia, Davis, ambas nos Estados Unidos. “Por exemplo, quando há mais mulheres, os homens enfrentam um mercado favorável e podem se comportar promiscuamente, oferecendo pouco investimento parental para suas companheiras. No entanto, quando as mulheres estão em falta, elas podem exigir fidelidade e compromisso no relacionamento – e os homens responderiam porque as parceiras são raras e, portanto, um recurso valioso”.
Índios macuxi e relacionamentos
Para avaliar essas ideias empiricamente, os pesquisadores desenvolveram um estudo com uma população ameríndia do sudoeste da Guiana, os macuxi. Os macuxi desfrutam de justaposições marcantes dos mundos moderno e tradicional. Enquanto arcos e flechas estão espalhados pela casa, prontos para serem usados a qualquer momento para fazer uma refeição de um veado ou queixada que passem por perto, nos fundos todo um grupo de moradores está paralisado pela solitária TV da aldeia e seu respectivo leitor de DVD, alimentados por uma bateria de carro velha.
Os macuxi tradicionalmente vivem do processamento da mandioca, pesca e caça para alimentar suas famílias, mas o acesso recente à economia de mercado tem levado a grandes números de homens e mulheres deixando as comunidades em busca de diferentes trabalhos remunerados. Esta migração produz uma intensa variação de relação sexual entre as comunidades.
“Nós selecionamos oito comunidades de diferentes proporções de gênero e entrevistamos 300 homens e mulheres”, explicam os antropólogos. “Um conjunto de questões especificamente a respeito de preferências de relacionamento foi feito, com perguntas como ‘quantos parceiros você teve no último ano?’ e ‘Você gosta de sexo casual?'”.
Apesar de parecer uma abordagem muito invasiva, as questões só foram feitas depois de haver uma vivência com as vilas estudadas e por entrevistadores do mesmo sexo dos entrevistados.
Nem tudo é biologia
Duas descobertas emergiram desta análise. “Em primeiro lugar, se nós simplesmente analisássemos as diferenças entre homens e mulheres, encontraríamos apoio para as expectativas biológicas. Em média, os homens estavam mais interessados em relações sexuais casuais do que as mulheres”, contam.
Porém, se as respostas de homens e mulheres fossem analisadas com base em como são influenciadas pela proporção entre os sexos, sugeriam alguns padrões interessantes. “Quando as mulheres eram abundantes, os homens eram os cafajestes que muitas vezes esperamos que eles sejam. Eles tinham muitas parceiras sexuais, e ainda queriam mais!”.
No entanto, conforme a razão entre os sexos passava a pender para o lado masculino, o interesse dos homens em relacionamentos de curto prazo diminuía. “Na verdade, nas comunidades com os homens mais excedentes, eram indistinguíveis as preferências dos homens e das mulheres – homens e mulheres desejavam relacionamentos de longo prazo, comprometidos com um único parceiro”, relatam Schacht e Borgerhoff. “Nesses lugares, não vimos evidência alguma de diferenças sexuais simples e biológicas – quando as mulheres eram raras, as preferências dos homens eram indistinguíveis das mulheres. Assim, em algumas comunidades, o sexo não era um indicador útil de comportamento e não nos dizia coisa alguma sobre as preferências de uma pessoa”.
Variações sociais
As ciências sociais evolutivas só recentemente começaram a explorar os efeitos da dinâmica dependente da frequência na tomada de decisão reprodutiva. Para os antropólogos, há uma utilidade inegável de afastar-se de modelos biológicos simples de comportamento.
“O que devemos levar disso é: o contexto importa. Sim, os homens e as mulheres provavelmente empregam estratégias diferentes para encontrar parceiros por causa de diferenças biológicas, mas essas estratégias são fortemente afetadas pela disponibilidade de parceiros”, afirmam.
“As mulheres enfrentam custos reprodutivos mais acentuados do que os homens, o que pode restringir a sua vontade de se envolver em relacionamentos de curto prazo. No entanto, os homens também podem enfrentar grandes custos reprodutivos que podem restringir o seu interesse em uma aventura casual, porque se eles embarcarem nela, podem perder o que têm em casa”.
Analisar apenas o sexo não explica adequadamente a riquíssima variedade de fatores que influenciam a tomada de decisão reprodutiva – na comunidade macuxi e em outros lugares também. Segundo os pesquisadores, de modo geral, áreas rurais e estados ocidentais dos EUA têm mais homens do que mulheres. Estas proporções maiores do sexo masculino estão associadas a maiores taxas de casamento e relacionamentos estáveis, e a taxas mais baixas de mães solteiras ou crianças nascidas fora do casamento. “Estes resultados, juntamente com o nosso estudo macuxi, apontam para o forte comprometimento que os homens assumem em relacionamentos quando as parceiras são escassas, desafiando estereótipos sexuais simples”, concluem. [The Conversation]