Coma como os antigos caçadores das Grandes Planícies com esta receita simples

Por , em 4.05.2020

Você sabe o que é uma “pemmican”? Essa palavra deriva do termo “cree pimîhkân”, em si derivado da palavra pimî, ou “gordura”.

É um alimento semelhante às nossas atuais barras energéticas. Enquanto elas são feitas normalmente de cereais e outros alimentos, a pemmican era uma mistura concentrada de gordura e proteína composta principalmente de carne seca de bisão, alce ou veado.

O mantimento era popular entre exploradores do Ártico e da Antártica – por exemplo, era a comida preferida de Robert Peary, conforme relatado no livro “Secrets of Polar Travel”. Peary pode ter sido a primeira pessoa a chegar ao Polo Norte, em 1909.

A pemmican tem muito mais do que cem anos, no entanto. Evidências arqueológicas sugerem que esse “café da manhã dos campeões” existia desde pelo menos 2800 aC.

Nessa época, caçadores antigos que perseguiam bisões nas Grandes Planícies da América do Norte misturavam sua carne, sua gordura e sua medula em barrinhas densas em energia com uma excelente vida útil.

Certamente, o alimento durava muito mais do que simplesmente comer a carne do bisão no momento da caça. Segundo os cientistas, uma única barrinha era válida por anos e podia conter até 3.500 calorias.

Histórico indígena

Os arqueólogos acreditam que foi a nutrição da pemmican que ajudou populações antigas das Planícies a se moverem e se espalharem, se desenvolvendo em vários grupos indígenas através do norte dos EUA e do Canadá.

“A pemmican é uma barra de energia indígena antiga legítima”, disse Shane Chartrand, cozinheiro da Enoch Cree Nation, uma reserva indígena de Alberta, no Canadá.

O livro de receitas de Chartrand contém instruções para fazer uma pemmican à base de salmão. Aparentemente, não é um alimento delicioso, mas sim estimado por seu valor nutritivo.

“O propósito de algumas coisas não é ter bom gosto; é fazer você sobreviver. Eu cacei toda a minha vida. Quando você está lá fora, está morrendo de fome e pode sentir seu corpo falhando, cansado e com açúcar baixo, não importa se o sabor é bom. Você quer algo que o ajude a viver e a seguir em frente. Isso é pemmican”, explica.

Produto prestigiado até a extinção

Conforme diferentes culturas, da Enoch Cree à Ojibwe à Blackfoot à Sioux, lançaram suas próprias versões da pemmican ao longo de milênios, as receitas do alimento foram variando.

A maioria usa carne de bisão, enquanto algumas versões optam por carne de veado ou peixe. Outros ingredientes possíveis são cerejas ou bagas secas. Por fim, há quem cozinhasse a mistura em um ensopado conhecido como rubaboo (prato tradicionalmente feito de ervilhas e/ou milho, com gordura de urso ou porco e engrossado com farinha).

Nos anos 1770, a pemmican se tornou um alimento desejado por comerciantes de peles que estavam expandindo seus negócios no Canadá, à época controlado pelos britânicos. Os viajantes precisavam de muitas calorias para remar suas canoas cheias de mercadorias, e a pemmican era uma refeição muito mais adequada do que suas dietas comuns dominadas por milho.

Aos poucos, uma comunidade de caçadores de bisão descendentes de viajantes franceses e suas esposas indígenas, os Métis, passaram a dominar o comércio de pemmican. No início dos anos 1800, o produto era tão cobiçado que uma verdadeira guerra, conhecida como “Pemmican War” ou “Guerra Pemmican”, estourou entre comerciantes de pele, colonos e os Métis.

No fim das contas, a popularidade da pemmican foi o que causou seu fim: na década de 1880, a caça excessiva levou à quase extinção do bisão-americano, tornando o produto escasso.

Quer experimentar?

A barra energética original da América pode não parecer tão gostosa hoje quanto já foi para caçadores e exploradores antigos, mas talvez valha a pena conhecer seu sabor ligeiramente agridoce e entender de onde veio todo o “hype”.

Algumas comunidades indígenas ainda fazem pemmican e, ao que tudo indica, não é tão difícil: você só precisa de banha, carne, bagas e paciência para esperar esses ingredientes secarem.

Você até pode facilitar as coisas comprando carne seca e frutas secas prontas, mas o resultado ficará longe de ideal (explicamos abaixo).

Receita

A receita abaixo foi inspirada na original, disponível em FirstNations.org.

Ingredientes

1 xícara de carne seca (bisão, carne de veado ou simplesmente bife)

1/3 de xícara de frutas secas

2 colheres de sopa de banha (não substitua por manteiga)

Opcional: açúcar a gosto

Modo de fazer

O primeiro passo é escolher a carne – melhor que seja magra. Você deve cortá-la em tiras contra a fibra (pode esfriá-la no freezer por uma hora antes para tornar essa tarefa mais fácil), e em seguida colocá-la em um forno pré-aquecido no fogo mais baixo, geralmente em torno de 75 graus Celsius.

O objetivo é secar a carne. Lembre-se de que ela vai encolher à medida que seca – por exemplo, cerca de 680 a 900 gramas de carne crua renderão cerca de 1,5 a 2 xícaras quando secas.

Dependendo da espessura da peça original, pode levar até 12 horas para a carne secar completamente. Você saberá que ela está pronta quando estiver com aparência seca, mas ainda assim flexível.

Comprar carne seca pronta pode parecer um bom atalho, mas a carne seca comercial vem com conservantes como nitratos que alteram negativamente o sabor final, além de ser cortada a favor da fibra e portanto mais difícil de moer até virar pó (o que você terá que fazer em breve).

Depois de secar a carne, é hora de secar as frutas escolhidas. É melhor que seja uma baga. Os ingredientes tradicionais eram frutos da Prunus virginiana e da Amelanchier alnifolia, provavelmente complicados de se achar. Mirtilos, cranberries, oxicoco e outras bagas devem funcionar.

Para secá-las, use um desidratador de alimentos ou um forno em fogo baixo. Dependendo do equipamento, o tempo para secar as bagas pode variar muito, de várias horas a um dia inteiro. Se você estiver usando um forno, corte ou fure a casca das frutas para permitir que o suco evapore. Você saberá que elas estão prontas quando estiverem completamente secas, sem suco.

Agora vem a banha. Se você não tiver banha de porco sobrando na geladeira, pode comprá-la (procure opções não hidrogenadas, pois muitas banhas comerciais levam conservantes prejudiciais) ou fazê-la. Para fazer uma banha de alta qualidade, encomende gordura no açougue local. Não, ninguém deve achar estranho – pessoas fazem e usam banha de porco por várias razões, e vender gordura não é tão incomum assim.

Primeiro refrigere a gordura no freezer e depois corte-a em cubos pequenos. Coloque esses cubos em uma panela com ¼ de xícara de água em fogo baixo. O processo normalmente leva de duas a quatro horas. Mexa a panela ocasionalmente. Você saberá que está pronto quando a maioria dos cubos tiver liquidificado. Filtre quaisquer resíduos e coloque o líquido em um recipiente hermético. Deixe em temperatura ambiente até que comece a endurecer e depois guarde na geladeira.

Chegou o momento de moer a carne e as frutas secas. Você pode usar um processador de alimentos ou, se quiser experimentar algo mais semelhante ao método tradicional de batê-las com uma pedra, usar as mãos e um pilão.

Misture os pós em uma tigela. Derreta e acrescente duas colheres de sopa de banha. Mexa tudo até que a mistura fique grudenta o suficiente para formar bolinhos. Você pode adicionar mais uma colher de sopa de banha se notar que a mistura continua ainda muito “poeirenta”. Se quiser adicionar açúcar, coloque cerca de uma colher de sopa.

Forme bolinhos com a massa final e deixe secar. O resultado pode não ser lindo, mas aparência não impede as pessoas de comerem as barras energéticas atuais, não é mesmo? E, se tiver saco para fazer esse processo todo, nos diga o que você achou! [AtlasObscura]

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